Afinal, que diferença faz se Cristo foi ou não casado?

Têm recebido uma significativa repercussão as notícias a respeito da descoberta de um papiro que sugere que Nosso Senhor tenha sido casado. Vi a matéria hoje na INFO e ouvi, pela manhã, o assunto na CBN; ontem eu já vira a mesma notícia no site da Terra.

O que dizer sobre o assunto? É de se espantar o sensacionalismo com o qual a mídia costuma tratar qualquer velharia como se fosse a última descoberta científica de uma novidade revolucionária sobre a qual nunca se ouviu falar antes! É verdadeiramente impressionante: como é possível tratarem com tanto frisson um fragmento de texto antigo que alude a uma genérica “mulher de Jesus”, quando já se conhecem (e há muito tempo) textos que dão nome e sobrenome a esta alegada “esposa”?

O Apócrifo de Filipe fala de Maria Madalena como “companheira” de Jesus e afirma que Ele a beijava com freqüência – “na boca”, alguns gostam de completar em um impressionante exercício de leitura adivinhatória de lacunas. E, na Idade Média, nós sabemos que os cátaros foram acusados, justamente, de afirmarem que Cristo tinha um relacionamento com Maria Madalena (ora como esposa, ora como concubina). Se estas referências são eruditas demais para a nossa classe jornalística, temos aquele mega-best-seller, “O Código Da Vinci”, contando exatamente a mesma história caquética. Por qual motivo ela só agora seria digna de crédito?

[E antes que me venham com chorumelas dizendo que as comparações são injustas, respondo logo que, muito pelo contrário, são a mesmíssima coisa: historietas de comadres em tempo algum levadas a sério pelos cristãos. Continuemos.]

Com relação a este novo papiro antigo, uma reportagem de G1 diz que ele é questionado por especialistas. E estes questionamentos, parece, já produziram resultados: ontem o documento era do século II (Terra) e, hoje, já é do século IV (EFE, via INFO)! A continuar com este prodigioso processo de envelhecimento datacional, na próxima semana descobrem que o papiro se trata, na verdade, dos primeiros rascunhos do Dan Brown lançados fora pelo escritor em um surto de bom senso infelizmente passageiro. Mas, da matéria de G1, interessa-me particularmente a declaração do porta-voz da Santa Sé:

“Não muda em nada a visão sobre Cristo e os Evangelhos. Este acontecimento não tem influência alguma sobre a doutrina católica”, enfatizou.

Se ele fala do papiro, é verdade: não muda nada porque uma fábula espúria antiga não se torna verdadeira só pelo fato de estar escrita num fragmento de texto velho. Mas, se ele fala do alegado relacionamento de Cristo com Maria Madalena ou com qualquer outra, aí é preciso dizer que muda, sim, muita coisa.

Afinal de contas, durante séculos – melhor, milênios! – os cristãos professaram unanimemente que Nosso Senhor veio ao mundo para redimir a humanidade, e esta Sua missão redentora passou pelo sacrifício de Si na Cruz do Calvário. Jamais se afirmou que a missão do Redentor houvesse passado pela constituição de uma família, e isto importa sim. Tomar uma esposa não é um acidente de percurso na existência humana, como o seria por exemplo um jantar em Betânia ou um passeio de barco pelo Mar da Galiléia. Aqui sim, se Nosso Senhor certa feita jantou na casa de um coxo em Jericó ou se ele retirou-Se alguma vez para rezar sozinho no meio do Mar Morto, não faz de fato diferença alguma.

Mas um casamento não é um aspecto acidental da vida humana: é uma vocação positiva, um elemento constituinte do papel assinalado por Deus para cada um nesta terra. A plena realização do ser humano, a sua santificação, o tornar-se aquilo que Deus quer que ele se torne, passa estruturalmente pelas núpcias que ele contrai ou deixa de contrair. Se Cristo houvesse sido casado e a Igreja tivesse ignorado ou escondido este fato, isto representaria uma lacuna incompreensível na missão do Salvador, uma negligência injustificável sobre o papel do Sagrado Matrimônio: coisas que simplesmente não podem existir na indefectível Igreja de Cristo. Portanto, este assunto não é “indiferente”, porque um Matrimônio nunca é “indiferente”. Cristo não Se casou, porque assim sempre o afirmou a Igreja de Deus.

Quanto às estórias espúrias – por antigas que sejam – que digam diferente, elas por certo não conseguirão jamais abalar a solidez das referências documentais que temos a respeito da história de Cristo. Mas é preciso cuidar também para que elas não lancem dúvidas sobre o papel que o seu estado de vida exerce na salvação de cada ser humano concreto, sobre o lugar privilegiado que ocupa o Sagrado Matrimônio na economia da Salvação. Dizer que “tanto faz” é aviltar a concepção cristã de casamento e de família. Dos inimigos da Igreja (que tampouco têm consideração alguma pela Família) é esperado que pensem assim. Mas os cristãos não têm o direito de professar semelhante acinte à ordem que o Onipotente estabeleceu para a Sua criação.

Declaração do VII Encontro Nacional de Movimentos em Defesa da Vida e da Família

Divulgo também como recebi por email a Declaração do VII Encontro Nacional de Movimentos em Defesa da Vida e da Família. O evento aconteceu recentemente em Brasília e contou com a presença de representantes de diversos movimentos espalhados pelo Brasil.

Quanto a isto, há pelo menos duas coisas que são dignas de nota. A primeira delas é contemplar a profusão de entidades comprometidas com a defesa da vida humana no Brasil; são movimentos relativamente espontâneos (não havendo “coordenação nacional” nem nada do tipo) preocupados em fazer alguma coisa para deter o avanço da ideologia da morte dentro do seu universo de alcance. Não querem abraçar o mundo com as pernas; querem dar a sua contribuição – o seu tijolinho na parede – para fortalecer as muralhas que protegem a civilização das (cada vez mais violentas) investidas dos bárbaros. É exatamente esta característica, aliás, que não os torna redundantes: a criação de uma Casa da Gestante na Zona Norte do Rio de Janeiro e a aprovação de uma lei municipal que proíbe qualquer tipo de aborto nos hospitais de Anápolis, por exemplo, são ações que não se sobrepõem e nem conflitam entre si. Muito pelo contrário até: são reflexos separados e relativamente independentes de um mesmo conjunto de valores que transcende as instituições sociais criadas para os defender e propagar.

A segunda coisa digna de nota é verificar como estes movimentos, separados a nível geográfico e de coordenação, conseguem se pôr de acordo a respeito dos problemas atualmente atravessados pelo país; a lista de constatações possui uma bela amplitude, abrangendo bem os pontos que mais merecem a nossa atenção nos dias de hoje.

Segue a declaração, que convém ser lida e divulgada.

* * *

Declaração do VII Encontro Nacional
de Movimentos em Defesa da Vida e da Família
 

Nós, participantes do VII Encontro Nacional de Movimentos em Defesa da Vida e da Família realizado em Brasília de 7 a 9 de setembro de 2012,

CONSTATAMOS:

1.     O crescente favorecimento da causa abortista pelo Governo Federal, em desconformidade com o compromisso assumido pela então candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff, com os eleitores, em 2010.

2.     A lamentável nomeação da Sra. Eleonora Menicucci, defensora e praticante confessa do aborto, para o cargo de Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres.

3.     A celebração de contrato entre a União Federal e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), prorrogado pelo atual Governo[1], assim como a manutenção do grupo GEA (Grupo de Estudos sobre o Aborto), criado com a finalidade de promover a despenalização do aborto no país.

4.     O plano do Ministério da Saúde, noticiado pela imprensa, de instruir as mulheres como fazer o aborto por meio de uma cartilha e de uma central de telefone em âmbito nacional pelo SUS; de elaborar uma Norma Técnica, e de liberar o comércio de abortivos nas farmácias, usando como pretexto a “redução de danos”.

5.     O açodamento com que foi preparado o anteprojeto de Código Penal, com audiências públicas não representativas da sociedade, e a sua conversão imediata em projeto de lei (PLS 236/2012) pelo Senador José Sarney, sem que fosse dado tempo suficiente ao povo para enviar sugestões e críticas.

6.     A presença de inúmeros erros técnicos e de conteúdo no PLS 236/2012, dificilmente corrigíveis por meio de emendas durante o processo legislativo.

7.     A descriminalização do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido, da clonagem, da manipulação e comércio de embriões, da prostituição infantil a partir de doze anos, do uso pessoal de drogas e do terrorismo praticado por movimentos sociais, entre outras infâmias previstas pelo PLS 236/2012.

8.     A promoção e a exaltação do homossexualismo, o cerceamento da liberdade de expressão e a instauração da perseguição religiosa presentes no mesmo projeto por meio da incriminação da chamada “homofobia”.

9.     A crescente invasão de competência do Congresso Nacional pelo Supremo Tribunal Federal que, à revelia da Constituição, reconheceu a validade da “união estável” de pessoas do mesmo sexo e o aborto de crianças anencéfalas.

SOLICITAMOS:

1.     Ao Congresso Nacional, que, por meio de decreto legislativo, suste as referidas decisões da Suprema Corte.

2.     Aos senadores e deputados federais, que rejeitem todas as cláusulas antivida e antifamília presentes no PLS 236/2012.

3.     Aos eleitores, que apóiem os candidatos comprometidos com a defesa da vida e da família e que neguem seu voto a políticos e partidos comprometidos com o aborto e o homossexualismo, entre os quais se destaca o Partido dos Trabalhadores.

4.     Aos educadores, que rejeitem as cartilhas e livros que, a pretexto de proteger a saúde do adolescente e oferecer “educação” sexual, corrompem a infância e a juventude.

5.     Aos médicos e outros profissionais de saúde, para que resistam às políticas pró-aborto do governo, mantendo-se fieis ao juramento de Hipócrates.

6.     Aos líderes religiosos, que instruam o povo a eles confiado acerca de tudo o que foi referido acima.

 

Brasília, 9 de setembro de 2012.

ABRACEH – Associação de Apoio ao Ser Humano e à Família
Associação Nacional Mulheres pela Vida
Associação Nacional Pró-vida e Pró-família
Associação Theotokos – Guarulhos-SP
Comunidade Católica Totus Mariae – São Carlos-SP
Frente Integralista Brasileira (FIB)
Instituto Eu Defendo – RJ
Instituto Juventude pela Vida – SP
Instituto Vera Fides – RJ
Movimento Ação e Vida – RJ
Movimento em Defesa da Vida do Rio de Janeiro
Movimento Sacerdotal Mariano – São José dos Campos-SP
Movimento Teologia do Corpo
Pró-Vida de Anápolis – GO
Rede Pró-vida Nacional
Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza-DF


[1] Conforme texto disponível em http://www.documentosepesquisas.com/maio2012.pdf

CDF sobre projetos de lei contra a “discriminação” de pessoas homossexuais

Em tempos de PLC 122/2006 (e também – o tempora, o mores! – de Grito dos Excluídos apoiado por bispos brasileiros), vale a pena ler este documento da Congregação para a Doutrina da Fé chamado “Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais” que eu encontrei ontem fazendo umas pesquisas na internet. Reproduzo-o abaixo na íntegra, porque o considero extremamente pertinente, dada a situação delicada que estamos atravessando hoje no Brasil. Que bom seria se os nossos pastores fizessem eco a estas palavras tão claras da Santa Sé!

E viva a clarividência da Igreja! Estas orientações foram elaboradas em 1992, e são atuais como se houvessem sido escritas na semana passada e endereçadas especificamente ao Brasil atual.

Todos os negritos e grifos são meus.

* * *

Algumas reflexões
acerca da resposta a propostas legislativas
sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais

INTRODUÇÃO

Recentemente, foi proposta uma legislação em vários lugares, que tornaria ilegal uma discriminação baseada num orientamento sexual. Nalgumas cidades, as Autoridades municipais puseram habitações públicas à disposição de casais homossexuais (e heterossexuais solteiros) – normalmente reservadas a famílias. Estas iniciativas, mesmo onde parecem mais dirigidas a defender os direitos civis básicos do que a tolerar a actividade homossexual ou um estilo de vida homossexual, podem, com efeito, ter um impacto negativo na família e na sociedade. Os casos, por exemplo, da adopção de crianças, dó trabalho dos professores, das necessidades habitacionais de famílias verdadeiras, das legítimas preocupações do proprietário, no que se refere aos eventuais inquilinos, são com frequência postos em discussão.

Ao mesmo tempo que seria impossível prever todas as eventualidades, em relação às propostas legislativas neste sector, tais observações procurarão identificar alguns princípios e distinções de natureza geral, os quais deveriam ser tomados em consideração pelo legislador, eleitor ou Autoridade eclesiástica consciente, no momento de enfrentar estes problemas.

A primeira secção recordará as passagens relevantes da «Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais», da Congregação para a Doutrina de Fé, de 1986. A segunda secção tratará a sua aplicação.

I.

PASSAGENS RELEVANTES DA «CARTA»
DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

1. A Carta recorda a «Declaração sobre alguns Pontos de Ética Sexual», da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1975, a qual «levava em consideração a distinção feita comummente entre a condição ou tendência homossexual, de um lado, e, do outro, os actos homossexuais»; os últimos são «intrinsecamente desordenados» e «não podem ser aprovados em caso algum» (n. 3).

2. Todavia, «na discussão que se seguiu à publicação da Declaração, foram propostas interpretações excessivamente benévolas da condição homossexual, tanto que houve quem chegasse a defini-la indiferente ou até mesmo boa». A Carta continua e esclarece: «… a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado, constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos acentuada, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por este motivo, a própria inclinação deve ser considerada objectivamente desordenada. Aqueles que se encontram em tal condição deveriam, portanto, ser objecto de uma particular solicitude pastoral, para não serem levados a crer que a realização concreta desta tendência nas relações homossexuais seja uma opção meramente aceitável» (n. 3). Não o é!

3. «Como acontece com qualquer outra desordem moral, a actividade homossexual impede a auto-realização e a felicidade, porque é contrária à sabedoria criadora de Deus. Refutando as doutrinas erróneas acerca do homossexualismo, a Igreja não limita, antes, pelo contrário, defende a liberdade e a dignidade da pessoa, compreendidas de um modo realista e autêntico» (n. 7).

4. No que se refere à tendência homossexual, a Carta afirma: «uma das tácticas usadas é a de afirmar, em tom de protesto, que qualquer crítica ou reserva às pessoas homossexuais, à sua atitude ou ao seu estilo de vida, é simplesmente uma forma de injusta discriminação» (n. 9).

5. «Em algumas Nações funciona, como consequência, uma tentativa de pura e simples manipulação da Igreja, conquistando-se o apoio dos Pastores, frequentemente em boa fé, no esforço que visa mudar as normas da legislação civil. Finalidade de tal acção é ajustar esta legislação à concepção própria destes grupos de pressão, para a qual o homossexualismo é, pelo menos, uma realidade perfeitamente inócua, quando não totalmente boa.

Embora a prática do homossexualismo esteja ameaçando seriamente a vida e o bem-estar de um grande número de pessoas, os fautores desta corrente não desistem da sua acção e recusam levar em consideração as proporções do risco que ela implica» (n. 9).

6. «Ela (a Igreja) é consciente de que a opinião, segundo a qual a actividade homossexual seria equivalente à expressão sexual do amor conjugal ou, pelo menos, igualmente aceitável, incide directamente sobre a concepção que a sociedade tem da natureza e dos direitos da família, pondo-os seriamente em perigo» (n. 9).

7. «É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objecto de expressões malévolas e de acções violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos Pastores da Igreja, onde quer que aconteçam. Eles revelam uma falta de respeito pelos outros, que fere os princípios elementares sobre os quais se alicerça uma sadia convivência civil. A dignidade própria de cada pessoa deve ser respeitada sempre, nas palavras, nas acções e nas legislações.

Todavia, a necessária reacção diante das injustiças cometidas contra as pessoas homossexuais não pode levar, de forma alguma, à afirmação de que a condição homossexual não seja desordenada. Quando tal afirmação é aceita e, por conseguinte, a actividade homossexual é considerada boa, ou quando se adopta uma legislação civil para tutelar um comportamento, ao qual ninguém pode reivindicar direito algum, nem a Igreja nem a sociedade no seu conjunto deveriam surpreender-se se depois também outras opiniões e práticas distorcidas ganharem terreno e se aumentarem os comportamentos irracionais e violentos» (n. 10).

8. «Em todo o caso, deve-se evitar a presunção infundada e humilhante de que o comportamento homossexual das pessoas homossexuais esteja sempre e totalmente submetido à coacção e, portanto, seja sem culpa. Na realidade, também às pessoas com tendência homossexual deve ser reconhecida aquela liberdade fundamental, que caracteriza a pessoa humana e lhe confere a sua particular dignidade» (n. 11).

9. «Ao avaliar eventuais projectos legislativos, (os Bispos) deverão pôr em primeiro plano o empenho na defesa e na promoção da vida familiar» (n. 17).

II.

APLICAÇÕES

10. «A tendência sexual» não constitui uma qualidade comparável à raça, à origem étnica, etc. no que se refere à não-discriminação. Diferentemente destas, a tendência homossexual é uma desordem objectiva (cf. Carta, 3) e requer solicitude moral.

11. Existem sectores onde não se trata de discriminação injusta tomar em consideração a tendência sexual, por exemplo, na adopção ou no cuidado das crianças, nó trabalho dos professores ou dos treinadores atléticos e no recrutamento militar.

12. As pessoas homossexuais, como seres humanos, têm os mesmos direitos de todas as pessoas, inclusivamente o direito de não serem tratadas de maneira que ofenda a sua dignidade pessoal (cf.Ibid., 10). Entre outros direitos, todas as pessoas têm o direito de trabalhar, de ter uma habitação, etc. Todavia, estes direitos não são absolutos. Podem ser legitimamente limitados por motivos de conduta externa desordenada. Isto, às vezes, é não só lícito, mas obrigatório. Além disso, não se trata apenas de casos de comportamento culpável, mas até mesmo de casos de acções de pessoas física ou mentalmente doentes. Assim, aceita-se que o Estado limite o exercício dos direitos, por exemplo, no caso de pessoas contagiadas ou mentalmente deficientes, para proteger o bem comum.

13. Incluir a «tendência homossexual» entre as reflexões, na base das quais é ilegal discriminar, pode facilmente levar a afirmar que a homossexualidade é uma fonte positiva de direitos humanos, por exemplo, no que se refere aos chamados direitos de acção afirmativa ou ao tratamento preferencial no que se refere à admissão ao trabalho. Isto é ainda mais deletério se considerarmos que não existe um direito à homossexualidade (cf. Ibid., 10), o que não deveria, portanto, constituir a base para reivindicações jurídicas. A passagem do reconhecimento da homossexualidade como factor, na base do qual é ilegal discriminar, pode facilmente levar, se não de modo automático, à protecção legislativa e à promoção da homossexualidade. A homossexualidade de uma pessoa seria invocada em oposição a uma discriminação declarada e, assim, o exercício dos direitos seria defendido exactamente mediante a afirmação da condição homossexual, em vez de em termos de uma violação dos direitos humanos básicos.

14. A «tendência homossexual» de uma pessoa não pode ser comparada com a raça, o sexo, a idade, etc., também por outro motivo, além do supracitado, que merece atenção. A tendência sexual de uma pessoa individualmente não é, de modo geral, conhecida pelos outros, a não ser que ela se identifique em público como alguém que tem esta tendência ou com a manifestação de comportamento exterior. Geralmente, a maioria das pessoas com tendências homossexuais, que procuram viver uma vida casta, não tornam pública a sua tendência sexual. Por conseguinte, o problema da discriminação, em termos de trabalho, de habitação, etc., normalmente não se apresenta.

As pessoas homossexuais que manifestam a própria homossexualidade, tendem a considerar o comportamento ou o estilo de vida homossexual «indiferente ou até mesmo bom» (cf. n. 3) e, portanto, digno de aprovação pública. Muito provavelmente, é no âmbito destas pessoas que se encontram aqueles que tentam «manipular a Igreja, conquistando-se o apoio dos Pastores, frequentemente em boa fé, no esforço que visa mudar as normas da legislação civil» (cf. n. 9), aqueles que usam a táctica de afirmar, em tom de protesto, «que qualquer crítica ou reserva às pessoas homossexuais… é simplesmente uma forma de injusta discriminação» (cf. n. 9).

Além disso, existe o perigo de a legislação, que faz da homossexualidade uma base para certos direitos, encorajar deveras uma pessoa tendencialmente homossexual a declarar a sua homossexualidade ou até mesmo a procurar um parceiro, aproveitando-se assim das disposições da lei.

15. Já que na avaliação de uma proposta legislativa deve ser dada a máxima importância à responsabilidade da defesa e da promoção da vida familiar (cf. Ibid., n. 17), é fundamental prestar atenção a cada uma das intervenções propostas separadamente. Como é que terão influência na adopção das crianças e no acto de as confiar à sua responsabilidade? Constituirão uma defesa dos actos homossexuais, públicos e privados? Conferirão às uniões homossexuais uma condição equivalente à da família, por exemplo, no que se refere à habitação, ou concedendo ao parceiro homossexual os privilégios que derivam do trabalho e que incluem, entre outras coisas, a participação «familiar» nos benefícios hospitalares concedidos aos trabalhadores? (cf. Ibid., n. 9).

16. Por fim, quando a questão do bem comum entra em jogo, não é conveniente que as Autoridades eclesiásticas apoiem, nem que permaneçam neutrais perante legislações adversas, mesmo que elas admitam excepções às Organizações e Instituições da Igreja. A Igreja tem a responsabilidade de promover a vida familiar e a moralidade pública da sociedade civil inteira, com base nos valores morais fundamentais, e não unicamente de se defender a si mesma das aplicações de leis nocivas (cf. Ibid., n. 17).

L’Osservatore Romano,
Edição semanal, N. 32, 9 de Agosto de 1992, Pág. 6 (418)

 

Notícias do fim do mundo: casos de família

1. Viúva terá de dividir pensão do marido com a amante, decide juiz em GO. “O juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública de Goiás, Ary Queiroz, decidiu que uma viúva de um funcionário público do estado terá de dividir a pensão que recebe com a amante do falecido marido. A ‘outra’ entrou na Justiça para ter direito ao benefício. Cabe recurso da decisão”.

2. Amante é condenada a pagar US$ 9 milhões por ‘roubo de marido’. “A diretora de escola Anne Lundquist, de 49 anos, se envolveu com Allan Schackelford, de 62, mesmo sabendo de seu casamento de 33 anos. Cynthia, a mulher traída, resolveu levar a amante para os tribunais e venceu a ação num julgamento que durou dois dias”.

3. Escritura Pública reconhece união afetiva a três. “Ela [a tabeliã de notas que lavrou a escritura] conta também que se sentiu bastante a vontade para tornar pública essa união envolvendo três pessoas, já que havia um desejo comum entre as partes, se tratava de pessoas capazes, sem envolvimento de nenhum menor e sem litígio. Internamente não havia dúvida de que as três pessoas consideravam viver como entidade familiar e desejavam garantir alguns direitos”.

O que dizer? Uma vez perdida a referência moral que sustenta a entidade familiar, esta se esfacela em mil pedaços: sendo arrastada para lá e para cá, ao sabor das arbitrariedades individuais. Ora se confundem e se igualam a legítima e a concubina, ora se quantifica monetariamente um adultério, ora se institucionaliza o ménage à trois. Privada de suas sólidas bases, a sociedade adoece e caminha, em vertiginosa velocidade, em direção ao abismo que se recusa a enxergar.

Lembro-me de Santo Agostinho nas suas Confissões (que cito de memória): “senti e experimentei não ser para saber que o pão, agradável ao paladar sadio, é repugnante ao doente, e que a luz, desejada pelos olhos sãos, é odiosa aos enfermos”. Isto que vale para os indivíduos também se aplica às sociedades: basta  uma simples mirada ao redor, basta olhar para a nossa civilização decadente para o constatar com triste clareza.

Filhos: o verdadeiro direito de escolher

Almocei hoje com um amigo que gosta de dissertar sobre a defesa da Família: mais particularmente sobre a necessária generosa abertura que os casais devem ter aos filhos que a Divina Providência achar por bem lhes confiar. Em uma palavra, sobre a importância – mesmo nos nossos dias! – de uma prole numerosa.

Naturalmente (e antes de qualquer outra coisa), ninguém deve ser a isso obrigado pelo Estado, de modo que a sadia liberdade humana deve ser respeitada inclusive nas questões de fato que precisam ser tratadas caso-a-caso pelos casais concretos que estiverem nelas envolvidos. Não é este o ponto. Trata-se muito mais de apresentar uma proposta positiva, que vai certamente na contramão da cultura moderna – mas o Papa não falou recentemente que devíamos dizer “não” a «um tipo de cultura, de um way of life, de um modo de viver, no qual não conta a verdade, mas a aparência, não se busca a verdade, mas o efeito, a sensação, e, sob o pretexto da verdade, na realidade, se destroem homens»? -, que foi praticamente proscrita do cenário atual mas que por séculos foi abraçada alegremente pela virtual totalidade dos homens, tendo dado indiscutíveis bons (e santos) frutos tanto para os indivíduos quanto para as sociedades. Trata-se de uma proposta à qual deveria – quando menos por respeito às suas cãs – ser garantido, no mínimo, o direito à cidadania.

É possível referir-se a ela pela tradicional expressão “família numerosa” com a qual ela foi canonizada pela doutrina e pela praxis católicas ao longo dos séculos, como também é possível falar sobre ela com termos metonímicos mais líricos do tipo “uma mesa cheia de crianças”. Mas aqui não importa tanto o nome da rosa e sim o seu perfume: quero dizer, o ponto aqui é defender que é viável – mais ainda, que é profícuo e feliz – um modelo de família erigido, digamos, em função dos filhos.

A primeira coisa que salta aos olhos neste modelo de família (e talvez seja este um dos motivos pelos quais ele é tão odiado e perseguido nos dias de hoje) é a profunda desigualdade instaurada entre o homem e a mulher que ele revela. Talvez o aspecto desta desigualdade que mais salta aos olhos seja quanto à fertilidade de ambos os sexos: o homem é fértil o tempo inteiro e, a mulher, apenas durante alguns dias do mês. A fertilidade masculina é menos sensível ao passar dos anos: enquanto que os homens podem em princípio ter filhos “mais tarde” na vida, as mulheres precisam necessariamente tê-los em algum momento entre a adolescência e os quarenta e poucos anos. Corolário imediato deste “descompasso biológico” é a idade com a qual podem contrair núpcias o homem e a mulher: se desejam filhos, ela não pode esperar tanto quanto ele.

Há mais desigualdades. Sem dúvidas existem casos e casos, mas as defensoras dos “direitos da mulher” hão de certamente concordar comigo que os filhos costumam afetar a vida profissional da mulher bem mais do que a do homem – e isto por razões que não têm, absolutamente, nada a ver com “papéis socialmente construídos” nem nenhuma bobagem do tipo. Tal ocorre pelo fato concreto de que uma mulher grávida ou lactante demanda alguns cuidados diferenciados, dos quais não precisam os homens ou as mulheres que não têm filhos. Tal decorre do fato objetivo de que ter um filho no ventre ou (principalmente) nos braços provoca uma certa influência na capacidade de trabalho (tanto físico quanto intelectual) da mulher.

Não foi o capitalismo quem inventou a especialização ou a divisão do trabalho. Séculos antes, Platão já enunciava o princípio lapidar (e, aliás, cristalino) de que o melhor sapateiro é aquele que produz apenas sapatos. Na sociedade familiar, portanto, foi historicamente natural que os papéis se diferenciassem e coubesse principalmente ao homem a função de “provedor”, enquanto que a mulher assumia o cuidado quotidiano do lar e da prole. Não me atirem pedras ainda as feministas de plantão, que isto não tem nada a ver com a mulher não ter “direito a trabalhar” nem com nenhuma outra cantilena idiota que as incendiárias de soutiens implantaram no inconsciente coletivo. Está-se aqui apenas constatando o fato de que coisas como tempo e energia são “recursos limitados”, e portanto empregá-los na carreira profissional ou em uma (nova) gravidez são não raro opções conflitantes entre si.

De tudo isto decorre que a hoje tão alardeada “igualdade entre o homem e a mulher” é uma grandíssima falácia que não resiste à análise dos fatos, e que só se sustenta se apoiada por um gigantesco ethos imoral que inclui, entre outras coisas,

i) a contracepção, uma vez que as “conseqüências” do ato sexual não são iguais para ambos os sexos, pois somente a mulher “arca” com uma gravidez e todas as suas conseqüências físicas e psicológicas (o homem precisa “assumir” o filho, claro está, mas isto é menos do que os efeitos provocados na mulher pela gravidez);

ii) o aborto, uma vez que a contracepção é falha e, portanto, em um cenário de “liberdade sexual”, ocasionalmente uma gravidez indesejada vai ocorrer; e, last but not least,

iii) a ubíqua mentalidade anti-natalista, revelada por uma infinidade de meios: seja através de um terrorismo sociológico neo-malthusiano (não apenas extemporâneo mas também já anacrônico) que desabrocha em violentas campanhas de controle de natalidade, seja por meio do divórcio e da pregação em favor da necessária “independência” feminina (afinal, a mulher não pode depender de um marido do qual ela pode muito bem se divorciar amanhã…), seja pela criação de empecilhos (principalmente sociológicos) às mulheres se casarem cedo (com pressões sociais do tipo “precisa-terminar-a-faculdade-para-não-ser-uma-amélia”), seja pelos maus salários pagos aos trabalhadores e que são insuficientes para o sustento do lar (empurrando assim as mulheres para o mercado de trabalho com o fito de complementar a renda familiar), seja pela idealização da mulher bem-sucedida profissionalmente (com conseqüente marginalização da “dona-de-casa”), seja por quaisquer outros meios.

Contra esta cultura moderna (e, por que não dizê-lo, anti-cristã) é imperativo o resgate do “modelo tradicional”. Não (como aliás já dissemos) como uma obrigatoriedade, mas como uma opção legítima à qual as pessoas do nosso século precisam ter direito: se a mulher deseja uma descendência numerosa, ela precisa ter o direito de construir a sua vida com vistas a este fim, e isto com todas as exigências que ela julgar necessárias – ainda que isto inclua atitudes impopulares hoje em dia como casar-se cedo ou renunciar à sua vida profissional.

Afinal de contas, se nos provoca pena uma garota que se case aos 16 anos (por ela não conseguir talvez, digamos, terminar os estudos ou trabalhar), e se julgamos (quiçá até inconscientemente) que ela está desperdiçando a sua vida, há algo de muito estranho e errado conosco. Tragédia muito maior me parece ser uma mulher casar aos 30 anos e talvez não conseguir, por conta disso, constituir uma família grande – e, estranhamente, este tipo de perda que é muito mais grave não nos provoca compaixão. Deveria ser óbvio que ter uma carreira não é mais importante do que ter filhos; na pior das hipóteses, para os que não têm Fé, as duas coisas deveriam ser consideradas como se tivessem o mesmo valor. Não se entende, portanto, por qual misterioso motivo seria degradante renunciar a uma carreira profissional mas renunciar à própria prole não mereceria [nem ao menos] igual censura. Os que não têm Fé deveriam, pelo menos por coerência, lutar para que cada qual pudesse elencar as suas próprias prioridades de vida livre de pressões sociais sem sentido.

“A Dignidade Cristã da Mulher” – Alice Von Hildebrand

[Excelente texto para o dia de hoje! Trago apenas um excerto para meditação. Que as mulheres nunca se esqueçam da especificidade do seu valor; que elas não sacrifiquem a sua feminilidade nos altares quiméricos da falsa “igualdade” pregada nos dias de hoje; que elas não caiam no canto-de-sereia das feministas que tanto mal causaram nos últimos anos – não apenas às mulheres, mas a toda a humanidade.]

Não se esqueça de que Ele, a Quem o universo inteiro não pode conter, foi “escondido” no ventre da Santa Virgem por nove meses. Uma vez que você percebe isto você ficará maravilhada pelo duplo mistério que Deus confiou a você: conceber um ser humano feito à imagem e semelhança de Deus, e dar à luz a ele em meio à dor e sofrimento. Não se esqueça que foi também em meio à dor e sofrimento que Cristo reabriu para nós os portões do paraíso – o qual foi fechado pelo pecado.

Para a mulher foi concedido o impressionante privilégio de nobre sofrimento para que um novo ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, pudesse vir ao mundo. Medite sobre isto por um momento e você sentirá uma profunda reverência pelo seu corpo. Ele pertence a Deus, e não é um “brinquedo” que você pode dispor para própria satisfação.

Alice Von Hildebrand
A dignidade cristã da mulher

Revolução moral abjeta

“Brasil em transição demográfica” é o título da reportagem da FAPESP. O viés da reportagem é repugnante, mas os dados merecem ser lidos. Mostra a diferença entre uma parcela da sociedade (as “classes mais baixas”) que ainda mantém o seu bom senso intacto e que vê a gravidez (ainda que na juventude) como uma coisa positiva; e, por outro lado, a “classe média”, para a qual a gravidez antes dos trinta e tantos anos é uma espécie de doença ou de infâmia que deve ser expurgada a qualquer preço (naturalmente, não excluindo o aborto).

A leitura da matéria chega a ser desesperadora. Para estas pessoas, ter filhos no frescor da fertilidade é uma tragédia a ser evitada; e se é difícil ter filhos no limite da idade fértil, a “solução” está na reprodução assistida. Aliás, a reprodução assistida vira um direito constitucional que deve ser assegurado para todos (duplas de homossexuais inclusive). O objetivo de vida desta gente é simples: “homens e mulheres devem ter o direito de decidir tanto sobre sexualidade quanto orientação sexual e reprodução, cabendo ao Estado informar e dar condições para que o sexo seja seguro e, portanto, prazeroso”. Coisa mais vazia e degradante é quase impossível imaginar. E esta ideologia macabra, naturalmente, vai degenerar nas aberrações morais que nós encontramos nos dias de hoje.

Por exemplo, hoje o Jornal do Commercio noticiou que uma dupla de homossexuais registrou legalmente, com o nome de ambos (!), uma menina gerada por fertilização in vitro (!!) e que teve por “barriga de aluguel” o útero da prima de um dos dois. O passo-a-passo da tragédia: primeiro a “união estável” dos dois foi “convertida em casamento civil pela Justiça pernambucana no dia 24 de agosto do ano passado” (!), no vácuo do Golpe de Estado do STF que rasgou a Constituição e elevou a perversão moral ao mesmo status da Família instituída por Deus. Depois, uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a reprodução assistida (de janeiro do ano passado, segundo o JC) deixou de exigir que a técnica seja destinada a “mulheres estando casadas ou em união estável”, permitindo ao invés disso que “todas as pessoas capazes” possam aplicá-la. E agora, com a constrangedora situação de fato (artificialmente forjada) presente, o próximo passo é “que a discussão sobre as novas configurações familiares seja levada para dentro das escolas”, como disse o sr. Carlos Brito, “psicólogo de crianças e adolescentes e professor da Universidade Católica de Pernambuco” (!!!) na edição impressa do jornal. A decadência parece não ter limites.

Ao mesmo tempo, publican en una revista médica británica un artículo que justifica el asesinato de los recién nacidos (íntegra aqui). O Reinaldo Azevedo também comenta. Entre outras coisas asquerosas, cito:

Num dos momentos mais abjetos do texto, a dupla lembra que uma pesquisa num grupo de países europeus indicou que só 64% dos casos de Síndrome de Down foram detectados nos exames pré-natais. Informam então que, naquele universo pesquisado, nasceram 1.700 bebês com Down, sem que os pais soubessem previamente. O sentido moral do que diz a dupla é claro: soubesse antes, poderia ter feito o aborto; com essa nova leitura, estão a sugerir que essas crianças poderiam ser mortas logo ao nascer

Esta é a “transição demográfica” que estamos atravessando: outra coisa ela não é que não uma revolução moral abjeta, moldada por uma ideologia doentia em cujas garras a consciência moral da raça humana agoniza sem vislumbrar possibilidade de libertação. São tempos terríveis! Se o presente da humanidade já é assim sombrio, imaginar o que podemos esperar do seu futuro provoca um terror indescritível.

Quanto custa um família?

Tua mulher será em teu lar como uma vinha fecunda. Teus filhos em torno à tua mesa serão como brotos de oliveira (Salmos 127, 3).

Vede, os filhos são um dom de Deus: é uma recompensa o fruto das entranhas. Tais como as flechas nas mãos do guerreiro, assim são os filhos gerados na juventude. Feliz o homem que assim encheu sua aljava: não será confundido quando defender a sua causa contra seus inimigos à porta da cidade (Salmos 126, 3-5).

Mais filhos trazem mais felicidade. Na contramão de toda a propaganda hedonista moderna (esta aqui consegue ser particularmente repugnante e odiosa), uma pesquisa – feita “pelo engenheiro Franz Heukamp, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e pelo matemático Miguel Ariño, da Universidade de Barcelona” – descobriu que o índice de bem-estar aparentemente cresce junto com o número de crianças em uma sociedade.

Não é propriamente a descoberta da pólvora. A relação entre filhos e felicidade existe desde que o mundo é mundo, só sendo negada nas últimas décadas. Mas é talvez um sinal de que as trevas da modernidade estão começando a se dissipar. É talvez uma lufada de bom senso no meio da loucura moderna, é talvez um rasgo de luz no horizonte tenebroso – anunciando que a noite não há de durar para sempre. As loucuras vêm e passam; só a palavra de Deus permanece eternamente. Afinal de contas, é sem dúvidas uma loucura tratar um filho como uma linha da planilha do orçamento mensal. A pergunta correta não é quanto se gasta com um filho, e sim quanto vale a felicidade.

Enquanto isso, a Mai$ Dinheiro diz que filhos podem não custar nada. Alfinetando de modo bem ferino: «Se você acha que um filho sai caro, faça as contas de quanto custa um adulto. Sai mais barato pedir um divórcio amigável e adotar uma criança». Na verdade, já no ano passado a Gazeta do Povo publicava uma interessante matéria sobre leite fraldas. E, após dizer que os gastos não são o bicho de sete-cabeças que costumam pintar, o Iacomini encerra com um conselho: «Uma última observação a respeito da tendência de os casais se preocuparem com a estabilidade financeira e a carreira antes de terem filhos: o relógio biológico continua correndo».

Sábia advertência. Sinal de que – talvez… – a vida esteja sendo colocada novamente (enfim!) no seu lugar de direito, ao invés de ser preterida em nome de uma quimera utópica chamada “estabilidade” que só faz sentido em um mundo incrédulo que se esqueceu do que significa Providência. Sinal de que o Amor possa estar começando a vencer o egoísmo. Sinal de que – quiçá… – dias melhores virão.

“Uma só carne”

Eu naturalmente não acompanhei os debates – em meados do século passado – travados nesta Terra de Santa Cruz e que culminaram com a recepção do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Li, a posteriori, um excelente livro do Gustavo Corção chamado “Claro Escuro”, que era uma coletânea de artigos de jornais publicados ao longo dos meses nos quais aconteceram os tais debates. E, dentre as crônicas saídas da pena do ilustre escritor católico, uma delas se referia de modo mais claro ao título do livro.

Argumentava o Corção que havia sem dúvidas alguns casais que tinham de tudo para dar certo, como também havia alguns outros casais que visivelmente não poderiam dar certo de jeito nenhum. Mas também havia – a esmagadora maioria – uma multidão enorme de casais que poderiam tanto dar certo como falhar miseravelmente na grande aventura de formação de uma família. E era exatamente com esta multidão, vivendo neste claro-escuro, que a legislação positiva deveria se preocupar – no caso, não oferecendo a “via fácil” da dissolução do vínculo conjugal, a qual poderia fazer com que alguns casais (que dariam certo se tentassem mais um pouco) fossem induzidos a desistir diante das primeiras adversidades.

Porque a entidade familiar tem uma grande importância social e, como disse alguém recentemente (acho que o Ramalhete), se na alegria é fácil aos cônjuges ficarem juntos as coisas não são tão simples assim na tristeza – e, aqui, um pouco de senso de responsabilidade favorecido pela legislação positiva é muito bem vindo. Não me recordo se o Corção falava isto no “Claro Escuro”, mas falo eu: a aprovação do divórcio provocou, talvez acima de tudo, o enorme mal de criar uma cultura de que “se-não-der-certo-separa”, com uma conseqüente desvalorização da Família nos moldes em que ela sempre foi entendida (e como a Igreja sempre a defendeu). A partir desta mentalidade, os bravos e corajosos desbravadores de um mundo novo que se aventuravam para além das fronteiras da casa materna com a missão bem determinada de criar raízes sólidas e edificar na História uma árvore frondosa que pudesse contribuir com rebentos saudáveis para a sociedade e para a Igreja transformam-se agora em jovens irresponsáveis (independente da quantidade de anos que porventura carreguem nas costas) preocupados apenas em “sentirem-se bem” e em gozarem uma “felicidade” confundida com prazer momentâneo.

A imagem é forte, mas não vejo como ela possa ser menos verdadeira. Afinal de contas, quando se fala em “célula-mater da sociedade”, quantas são as pessoas que identificam isto com uma família – e, com isso, estamos falando de um homem e uma mulher unidos em ordem à geração e educação dos filhos e integralmente voltados um para o outro até que a morte os separe? Quantas são as pessoas que entendem as graves responsabilidades que disto decorrem?

A lei do divórcio criou uma cultura de pusilânimes. E talvez um dos mais eloqüentes exemplos disto que eu vi nos últimos tempos tenha sido este texto da sra. Regina Navarro, onde ela faz uma apologia da infidelidade conjugal e defende que “a monogamia não funciona muito bem para os ocidentais”. Que é na verdade uma reescrita daquela “A Maçã” de Raul Seixas, sendo – tanto uma quanto a outra – uma utopia sem sentido de que é possível “amar” sem que o amor seja uma doação íntegra da totalidade do ser, ou de que é possível separar “amor” de “fidelidade”, ou de que o amor não ande sempre e necessariamente de braços dados com a responsabilidade.

A cultura pró-divórcio pavimentou a estrada para que barbaridades como esta ganhassem livre trânsito. Contra os devaneios de articulistas e artistas de rock, contudo, permanecem incólumes os exemplos da história, o testemunho da reta razão humana e aquelas palavras das Escrituras Sagradas conforme a qual o homem e a mulher “serão uma só carne”. E, contra esta verdade insofismável, passarão músicas e artigos; os vinis estarão pendurados em decorações de festas estilo “anos setenta” e os jornais estarão embrulhando o peixe do fim da feira, mas haverá ainda aqueles que defendam a capital importância da Família monogâmica e indissolúvel. Porque certas convicções são inegociáveis. Certas palavras não passarão.

Nota da CNBB contra a “união homoafetiva” do STF

[Enfim, foi publicada. Original no site da CNBB. Todos os grifos são meus.]

Nota da CNBB
a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal
quanto à união entre pessoas do mesmo sexo.

Nós, Bispos do Brasil em Assembleia Geral, nos dias 4 a 13 de maio, reunidos na casa da nossa Mãe, Nossa Senhora Aparecida, dirigimo-nos a todos os fiéis e pessoas de boa vontade para reafirmar o princípio da instituição familiar e esclarecer a respeito da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Saudamos todas as famílias do nosso País e as encorajamos a viver fiel e alegremente a sua missão. Tão grande é a importância da família, que toda a sociedade tem nela a sua base vital. Por isso é possível fazer do mundo uma grande família.

A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural. O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. As Sagradas Escrituras, por sua vez, revelam que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os destinou a ser uma só carne (cf. Gn 1,27; 2,24). Assim, a família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o desenvolvimento das diversas gerações e constitui o maior bem das pessoas.

As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e violência que fere sua dignidade de pessoa humana (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357-2358).

As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo recebem agora em nosso País reconhecimento do Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade e na reciprocidade entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos. Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma. É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de ser valorizada e protegida pelo Estado.

É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa natureza que comprometem a ética na política.

A instituição familiar corresponde ao desígnio de Deus e é tão fundamental para a pessoa que o Senhor elevou o Matrimônio à dignidade de Sacramento. Assim, motivados pelo Documento de Aparecida, propomo-nos a renovar o nosso empenho por uma Pastoral Familiar intensa e vigorosa.

Jesus Cristo Ressuscitado, fonte de Vida e Senhor da história, que nasceu, cresceu e viveu na Sagrada Família de Nazaré, pela intercessão da Virgem Maria e de São José, seu esposo, ilumine o povo brasileiro e seus governantes no compromisso pela promoção e defesa da família.

Aparecida (SP), 11 de maio de 2011

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Presidente da CNBB
Arcebispo de Mariana – MG

Dom Luiz Soares Vieira
Vice Presidente da CNBB
Arcebispo de Manaus – AM

Dom Dimas Lara Barbosa
Secretário Geral da CNBB
Arcebispo nomeado para Campo Grande – MS