Bento XVI, sobre o Munus Sanctificandi

Leiam a Audiência Geral do Papa Bento XVI de ontem, sobre o munus sanctificandi dos sacerdotes (vejam uma versão em português no site da Canção Nova). Está primorosa. A expressão teológica tradicional não se encontra na catequese do Papa, mas é também sobre isto que ele está falando: os Sacramentos agem ex opere operato, i.e., têm a sua eficácia independente da santidade de quem os ministra.

Uma excelente catequese, ensejada pela crise de escândalos que hoje se lança sobre a Igreja. Se, por um lado, os pecados dos sacerdotes (ao contrário do que apregoava Lutero) em nada diminuem a eficácia dos Sacramentos por eles ministrados, por outro lado isso não é justificativa para se negar a “indispensável tensão para a perfeição moral, que deve habitar cada coração autenticamente sacerdotal”. Não é porque os padres não são santos que os Sacramentos por ele ministrados não têm valor; nem é pelo fato de que os Sacramentos continuam tendo valor a despeito dos pecados dos padres que estes não devem ser santos. Por um lado, a salvaguarda dos fiéis e, por outro, a radical exigência da conformidade a Cristo.

E vejam também outros pontos da referida audiência, entre os quais destaco:

É, então, o próprio Cristo que nos torna santos, isto é, que nos atrai na esfera de Deus. Mas como ato de Sua infinita misericórdia, chama alguns a “estar” com ele (cf. Mc 3, 14) e tornarem-se, mediante o Sacramento da Ordem, apesar da pobreza humana, participantes do seu próprio Sacerdócio, ministros desta santificação, dispensadores de seus mistérios, “pontes” de encontro com Ele, da sua mediação entre Deus e os homens e entre os homens e Deus (cf. Presbyterorum Ordinis, 5).

Sobretudo neste nosso tempo, em que, de um lado, parece que a fé vai enfraquecendo-se e, por outro, emerge uma profunda necessidade e uma ampla busca de espiritualidade, é necessário que todo o sacerdote recorde que, na sua missão, o anúncio missionário e o culto e adoração e os sacramentos não estão mais separados e promova uma saudável pastoral sacramental, para formar o Povo de Deus e ajudá-lo a viver plenamente a Liturgia, o culto da Igreja, os Sacramentos como dons gratuitos de Deus, atos livres e eficazes de sua ação salvadora.

Exemplar, acerca do primado do munus sanctificandi e da correta interpretação da pastoral sacramental, é ainda São João Maria Vianney, que, um dia, frente a um homem que dizia não ter fé e desejava discutir com ele, respondeu: “Oh! meu amigo, vos dirigistes muito mal, eu não consigo pensar … mas se tendes necessidade de alguma consolação, dirija-se para lá … (seu dedo apontava para o inexorável banco [do confessionário]) e, acredita-me, em que muitos outros colocaram-se antes de vós, e não tiveram do que se arrepender” (cf. Monnin A., Il Curato d’Ars. Vita di Gian-Battista-Maria Vianney, vol. I, Torino 1870, pp. 163-164).

Longa vida ao Papa!

“Gay Católico”?!

Recentemente, mostraram-me dois sites de “catolicismo gay”. Um é lusitano; o outro, não faço idéia. E, vendo este tipo de coisa, fica patente o quanto Santo Agostinho estava correcto ao falar em como era perniciosa a liberdade do erro.

Vou colher só dois exemplos, ao acaso, dos dois sites, apenas para fins ilustrativos. No primeiro, pode-se ler o seguinte:

Estão nove homens na sala, entre os quais três casais, sendo que não ultrapassam os 15 nos dias de maior participação. Isto apesar dos muitos contactos através da Internet, o que os leva a concluir que serão 300 no País. São católicos praticantes, confessam-se, comungam e são padrinhos, tudo o que a hierarquia da Igreja lhes proíbe. Dizem que o fazem conscientemente.

E, no segundo:

Logo, Ele estava referindo-se APENAS aos que não se recusavam ao sexo, sem com isso passar a idéia de que se referia aos machos adultos estéreis. Quer dizer, Ele estava referindo-se somente aos nascidos sexualmente ativos que recusavam-se ao sexo com mulheres. Os homossexuais.

Conclui-se daí que Ele afirmou, em MATEUS 19, vers 11, que os homossexuais nascem homossexuais.

É preciso deixar claras algumas coisas. Só faz sentido falar em “gay católico” se estivermos nos referindo ao sujeito que, a despeito de ter inclinações – mais ou menos fortes – por pessoas do mesmo sexo, acolhe na íntegra a Doutrina Moral da Igreja sobre a sexualidade e esforça-se sinceramente para, com o auxílio da graça de Deus, levar uma vida casta e agradável aos olhos de Deus, oferecendo os seus sofrimentos em união aos de Nosso Senhor na Cruz para a sua própria santificação e a do mundo inteiro. Não é sobre isto que os sites acima referidos falam. Aliás, não é nada nem parecido com isso.

O primeiro excerto que eu trouxe acima fala sobre pessoas que, deliberada e conscientemente, rasgam a Doutrina Moral da Igreja e se entregam aos seus próprios vícios e desejos, fazendo duas vezes o que a Igreja proíbe: na prática dos atos homossexuais e na recepção dos Sacramentos em estado de pecado. O segundo excerto faz uma exegese com sabor de blasfêmia de um texto do Sagrado Evangelho, a qual tem objetivamente o exacto mesmo valor de uma interpretação meia-boca qualquer de qualquer passagem bíblica feita por qualquer igrejola protestante de esquina ou pelo Inri Cristo. Em vinte séculos de Cristianismo esta interpretação descabida sequer passou pela cabeça dos cristãos, não encontra eco nos escritos dos Santos Padres e nem nos documentos do Magistério da Igreja – ao contrário, contraria-os frontalmente. Trata-se, portando, de verdadeiro e próprio anti-catolicismo, apresentado com roupagem católica e com uma linguagem agradável que pode enganar os desavisados. São lobos em pele de cordeiro.

Este tipo de propaganda daninha às almas que apresenta o mal como se fosse um bem e incensa o pecado como se fosse a mais sublime manifestação da santidade é, além de uma blasfêmia e de uma desonestidade intelectual absurda, um ultraje às pessoas que – agora sim – apresentam tendências homossexuais mas preferem antes servir a Deus do que ao próprio ventre, e esforçam-se por levar uma vida de castidade pautada pela Lei de Deus.

Convém repetir: não existe “gay católico” se estivermos falando do sujeito que faz franca e aberta guerra contra o que a Igreja ensina – como é o caso dos dois sites supracitados. O “gay católico”, neste sentido, é a exata mesma coisa que o “masturbador católico”, o “zóofilo católico” ou qualquer outra aberração do tipo: uma pessoa que não aceita o ensino moral da Igreja e lhe quer opôr um próprio, que satisfaça aos seus desejos e às suas comodidades. Ninguém é obrigado a ser católico. Mas, se o sujeito se apresenta como católico por um lado e, por outro, solapa a autoridade moral da Igreja, precisa ser desmascarado. Porque honesto – agora sim – todo mundo é obrigado a ser.

Sexta-Feira, Passio Domini

Na realidade, nada é tão escuro e misterioso como a morte do Filho de Deus, que junto com Deus Pai é a fonte e plenitude da vida. Mas também nada é tão luminoso, porque aqui refulge a glória de Deus, a glória do Amor onipotente e misericordioso.

Card. Camillo Ruini, Via-Sacra no Coliseu, Sexta-Feira Santa 2010.
Décima Segunda estação: Jesus morre na Cruz.

Na Sexta-Feira da Paixão, nós não temos sequer missa. O único ato litúrgico do dia tem lugar às três horas da tarde, hora em que Nosso Senhor morreu. Prolongamento da cerimônia de ontem, que iniciou o Tríduo Sacro, a Celebração da Paixão do Senhor de hoje tem como principal característica o silêncio. Não há palavras capazes de exprimir adequadamente o grande mistério da morte de Deus. Resta-nos uma muda contemplação.

Os instrumentos musicais emudeceram desde ontem, e as matracas ainda tomam o lugar dos sinos alegres. A procissão de entrada, silenciosa, é quase lúgubre; este efeito é ainda mais intensificado pelo altar desnudo, o sacrário aberto e vazio, os crucifixos cobertos com pano. Prostra-se o sacerdote diante do altar, junto com os acólitos, e assim permanece por um breve período. A adoração silenciosa, quase perplexa, é o que resta ao pecador que se encontra diante do amor infinito de Deus, revelado em sua faceta mais radical.

Aqueles que, ontem, aceitaram que o Senhor lavasse os seus pés, precisam hoje aceitar que Ele lave os seus pecados. O paralelo é notável: São Pedro, ontem, disse a Nosso Senhor que Ele não lhe lavaria os pés: hoje, tentou impedir “a coorte e os guardas de serviço dos pontífices e dos fariseus” (Jo XVIII, 3) de levarem Nosso Senhor. E as duas respostas que Cristo deu, ontem e hoje, complementam-se de maneira fantástica: “se eu não tos lavar [os pés], não terás parte comigo”, ontem; e “[n]ão hei de beber eu o cálice que o Pai me deu?”, hoje. É como se dissesse Nosso Senhor: “veja, eu vou sofrer e vou ser crucificado, e vou morrer por ti, e se não o aceitares, não poderás permanecer comigo”.

Foi difícil a São Pedro permitir que Nosso Senhor lhe lavasse os pés; como não deve ter sido difícil aceitar que Ele morresse em seu favor! O silêncio, da celebração de hoje, é pesado também porque é humilhante. É quando o orgulho humano precisa ser quebrado, e é quando precisamos aceitar – porque não ousamos pedir – que o Deus Onipotente faça, por nós, algo que nós próprios muito provavelmente não faríamos por ninguém. Deus sofre por nós, e morre por nós, e o doloroso é que nós não podemos impedi-Lo, porque somos pecadores e precisamos do Seu Sacrifício Redentor. O silêncio é também contrito: a que ponto chegamos? Os nossos pecados são tantos e tão numerosos que conduziram Deus à morte. Fizemos tudo tão errado que o preço do conserto é o Divino Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo derramado na Cruz.

“Senhor, perdoai-me” – é o grito que sobe do fundo do coração do homem que percebe o seu papel no drama que hoje se desenrola. Um duplo papel, aliás, que só faz sentido dentro da lógica do amor radical de Deus pelos seres humanos: nós somos, ao mesmo tempo, causa e fim dos sofrimentos do Filho de Deus. São os meus pecados que pregam Nosso Senhor na Cruz (Senhor, perdoai-me!), e é a morte de Nosso Senhor na Cruz que perdoa os meus pecados (Senhor, obrigado!). Somos, ao mesmo tempo, culpados e beneficiários. Como exprimir esta singular condição? Ajoelhamo-nos na leitura da Paixão de Nosso Senhor, quando Ele inclina a cabeça e rende o espírito – mais do que isso, não podemos fazer.

Mas também desçamos com Nosso Senhor ao túmulo. Preparemo-nos para o Sábado Santo, para o Terceiro Dia que já vem, quando Ele há de romper o Sepulcro e ressurgir, vencedor. Mas, por enquanto, é ausência. O Senhor está morto. Que a Paixão de Cristo possa nos confortar.

A imprensa, o bispo e os gays

Há bons jornalistas no mundo. Eu próprio possuo amigos jornalistas que são excelentes profissionais. No entanto, algumas vezes nos deparamos com cada coisa na imprensa que não sabemos ao certo se estamos diante de uma tremenda má fé ou de uma ignorância que raia o analfabetismo funcional.

O Diário de Pernambuco publicou ontem uma entrevista com S.E.R. Dom Fernando Saburido, Arcebispo de Olinda e Recife. A “entrevista” não traz as perguntas do entrevistador, somente as frases do senhor Arcebispo; isso por si só já faz com que o contexto das declarações fique obscurecido. No entanto, mesmo assim, tem coisa que o jornalista simplesmente inventou, porque não está, de jeito nenhum, nas palavras de Dom Fernando Saburido.

Uma das “perguntas” é sobre o homossexualismo. Na íntegra, o que o jornal publicou:

Homossexualismo

“A igreja está do lado do pecador, mas não aceita o pecado. O pecador tem que fazer esforço para deixar o pecado. Mas o pecador também deve receber a misericórdia. A Igreja Católica está pronta para acolher sempre, dar palavras de estímulo para superar o erro e acompanhar o evangelho”.

E, aqui, o que o jornalista escreveu na apresentação da matéria (grifos meus):

Pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, 62 anos, dom Fernando Saburido tem marcado presença no estado com um discurso próprio e avançado, que fala da necessidade de inclusão de homossexuais na igreja, ecumenismo, padres casados e drogas, por exemplo. Assuntos até então descartados da pauta da Igreja Católica no estado.

Concedamos: “inclusão” pode até ter o sentido de “não ter preconceito”, e “preconceito” pode ter o sentido católico (que é completamente diferente da “homofobia” apregoada pela Gaystapo) de “não discriminar injustamente”, e “acolher sempre” pode ter o significado de “não ter preconceito” nos moldes acima explicados. No entanto, (1) nem este sentido é imediato para a média dos leitores do jornal, (2) nem parece ter sido isso o que Sua Excelência disse.

Neste ponto, as palavras de Dom Saburido foram totalmente recortadas para servir à ideologia gayzista. Sua Excelência falou com todas as letras: o pecador tem que fazer esforço para deixar o pecado. Se o assunto é homossexualidade, é óbvio que o pecador em questão aqui é o homossexual e, o pecado, são os atos homossexuais. O homossexual tem que fazer esforço para deixar os atos homossexuais, foi exatamente o que disse Dom Fernando Saburido. Se a exata mesma frase fosse pronunciada por Dom José Cardoso Sobrinho – e poderia perfeitamente ter sido -, aposto um doce como a imprensa iria dizer que o bispo retrógrado, reacionário, homofóbico e intolerante queria obrigar os gays a deixarem de sê-lo.

No entanto, como interessa a certos setores manipuladores da opinião pública apresentar Dom Fernando Saburido como sendo o “anti-Dom José Cardoso” (e, se a realidade não bate com a ideologia, pior para a realidade), a sra. Marcionila Teixeira (autora da reportagem do Diário) simplesmente ignora uma frase clara do Arcebispo de Olinda e Recife para, “torcendo” a parte seguinte de sua declaração, fazer o povo acreditar que a Igreja Católica em Olinda e Recife precisa “incluir” os homossexuais. Cabe perguntar se isso é jornalismo sério. Resta saber como é possível que um repórter desses consiga dormir tranqüilamente à noite.

Akallabêth – A queda de Númenor

Existem alguns escritores geniais. Tolkien é um deles. Após ter lido (tardiamente, reconheço) os três volumes d’O Senhor dos Anéis, estou terminando O Silmarillion agora. Especificamente, acabei de ler ainda há pouco Akallabêth, que trata sobre a queda de Númenor; para quem ainda quiser ler o conto – na edição da Martins Fontes, tem apenas 35 páginas -, aviso desde já que ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS.

Númenor é o nome do reino próspero dos homens, entre a Terra Média e o Reino Abençoado. Lá, eles eram amigos dos Valar, espécie de semi-deuses que eram senhores do mundo e serviam a Ilúvatar, o Deus Criador e Providente, a Quem também adoravam os númenorianos. Havia em Númenor um templo erigido a Ilúvatar, onde os homens sempre Lhe ofereciam “os primeiros frutos”. E viviam em paz e harmonia.

Com o tempo, porém, os homens começaram a sentir inveja de imortalidade de Valinor, o Reino Abençoado, onde viviam, sem conhecer a morte, os Valar e os elfos. E os homens começaram a murmurar entre si, acusando os Valar de negarem aos homens a dádiva de serem imortais. E romperam as suas boas relações com os Valar. Quando isso aconteceu, Sauron (sim, o mesmo d’O Senhor dos Anéis), inimigo dos Valar, instigou os homens a se mostrarem cada vez mais auto-suficientes e a se apresentarem cada vez mais hostis aos Valar. E, seguindo os conselhos malignos de Sauron, os homens foram se afastando cada vez mais dos Valar e, por conseguinte, degradando-se cada vez mais.

Duas coisas são bem interessantes nesta narrativa. A primeira delas é que os númenorianos, seguindo os maus conselhos de Sauron, abandonaram o culto a Ilúvatar e passaram a adorar o “Senhor do Escuro”, Melkor, que no princípio havia sido um Vala mas, depois, decaíra e, devido às suas maldades, havia sido expulso da terra e trancado no Vazio que fica além do mundo.

Os homens de Númenor abandonaram o culto a Ilúvatar para adorar a Melkor! Somente o fato deste assunto ser já conhecido e re-conhecido por todos nós impede-nos, à primeira vista, de dizer que a metáfora é genial; no entanto, é exatamente nesta insistência, nesta repetição, que consiste a sua genialidade: não importa onde nem quando, se nos judeus de Jerusalém à época do Rei Salomão, se em Númenor das fantasias de Tolkien ou se na vida particular de cada um de nós, os homens sempre fazem besteira. Sempre dão ouvidos a conselhos que não prestam. Sempre abandonam o Deus Verdadeiro para servir a Satanás.

A história de Númenor é, na verdade, uma paráfrase da história da humanidade e da história de cada um de nós, com um toque bastante interessante: não existem desculpas para os homens daqui, deste mundo, abandonarem a Deus. Porque não importa o quão diferente seja o mundo, mesmo que haja elfos e orcs, mesmo que os homens tenham vida longa e próspera, mesmo que eles falem face a face com os emissários dos Valar e contemplem, do litoral, as fronteiras do Reino Abençoado, mesmo assim, eles erram e se desviam do caminho. Adorar ao “senhor do Escuro” não é apanágio dos homens que vivem no claro-escuro no qual nós próprios vivemos – mesmo que vivêssemos em Númenor, não estaríamos imunes a esta tentação.

E a segunda coisa interessante na Akallabêth é sobre o progresso de Númenor após os homens terem abandonado os Valar: “Não obstante, por muito tempo pareceu aos númenorianos que eles prosperavam: e, se sua felicidade não era maior, eles ainda assim estavam mais fortes; e seus ricos, cada vez mais ricos. Pois, com o auxílio e os conselhos de Sauron, multiplicavam seus bens, inventavam engenhos e construíam naus cada vez maiores” [Tolkien, J. R. R., “O Silmarillion”, p. 349; Ed. Martins Fontes, 4ª Edição, São Paulo, 2009].

Prosperavam sem, no entanto, serem mais felizes: quem poderia ler um trecho desses sem pensar imediatamente no homem moderno que, enamorado cada vez mais do progresso e da técnica, e esquecido de Deus, consegue avanços cada vez maiores que, no entanto, não servem para lhe dar sentido à vida? Repito o que disse no início: há autores que são geniais, como Tolkien. Impressiona-me a maneira como ele consegue reescrever a história do mundo por meio de uma mitologia que a torna mais palatável, e na qual certos aspectos que ele deseja destacar aparecem com clareza. A Queda de Númenor faz as vezes de uma excelente parábola para os nossos tempos modernos, que bem poderíamos entender para que errássemos menos: na Akallabêth, Tolkien nos ensina que os homens erram ao se afastar de Deus, e nos ensina também que prosperidade nem sempre é sinônimo de felicidade.

A Lei Natural e a Ignorância

Eu sempre achei muito complicado falar em “Ignorância Invencível” em se tratando da Lei Natural. Os exemplos são os mais variados possíveis: os sacrifícios humanos dos astecas, os homossexuais, os ateus e, agora os suicidas: descobri hoje que a Leila Lopes se matou para ir para junto de Deus.

Por um lado, é fato incontestável que o suicídio é pecado mortal. Por outro lado, é também incontestável que, para que haja pecado mortal, é necessário, além da matéria grave, pleno conhecimento e deliberado consentimento. Estes dois últimos aspectos são subjetivos; mas será que a subjetividade é absoluta? O fiel da balança fica sendo, então, em última instância, a (má) consciência do indivíduo?

Santo Tomás de Aquino ensina que a Lei Natural só é conhecida de todos os homens no tocante aos seus primeiros princípios universais (Summa I-IIae, q. 94, a. 4). Ensina também que as paixões podem obscurecer a razão (id. ibid, q. 77, a. 2), e que as paixões antecedentes ao pecado o atenuam (id. ibid, q. 77, a. 6). No entanto, o mesmo Santo Tomás diz (id. ibid., q. 77, a 8) que, quando o ato pecaminoso ou o consentimento deliberado é executado de maneira passional, isso não ocorre repentinamente, de modo que a razão deliberante pode fazer frente e, se não o faz, é pecado mortal…

Reconheço que é complicado, e reconheço que, às vezes, sentimo-nos tentados a escusar. Seja o ateu que teve uma péssima formação filosófica e religiosa, seja o homossexual que, desde a mais tenra infância, foi exposto à depravação até o seu senso moral ser destruído, seja um asteca que levava a sua religião tão a sério a ponto de oferecer, ao que ele julgava ser Deus, o que há de mais excelente na Criação: um outro ser humano. Ao mesmo tempo, no entanto… é possível postular este subjetivismo radical da culpa?

Eu não consigo mensurar a culpabilidade de alguns atos. Acho, porém, que não vale a pena fazê-lo: o que realmente interessa, na minha opinião, é estabelecer as matérias pecaminosas e combatê-las nos casos concretos, independente da culpabilidade dos pecadores. Afinal, sem sombra de dúvidas é possível que, quando houver matéria grave, haja também pecado mortal. E o risco de não dar a devida importância a uma alma que – pelo menos – possivelmente caminha a passos largos para o Inferno é grande demais para ser corrido em tranqüilidade de consciência.

A purificação da Igreja

Perguntaram, aqui no Deus lo Vult!, sobre a Igreja “sempre necessitada de purificação” da qual fala a Lumen Gentium. Eu já havia dito, no próprio post, que é necessário distinguir a Igreja em Si dos membros da Igreja. Falar que a Igreja precisa de purificação, portanto, só pode ser entendido como uma metonímia, onde “Igreja” está significando “os membros da Igreja”. Não vejo como possa ser possível um outro sentido para a expressão que preserve a ortodoxia.

Que a Igreja é Santa e Santificante em Si, julgo ser óbvio, e não vou me deter nesta demonstração. No entanto, a Igreja é uma sociedade, é composta por membros, dos quais nem todos são santos. Pode-se perfeitamente dizer que a Igreja é Santa não somente em Si, mas também em Seus membros santos. É neste sentido, portanto, e somente neste, que se pode dizer que a Igreja precisa de purificação: em Seus membros pecadores.

O princípio da não-contradição não diz, simplesmente, que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Diz que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob um mesmo aspecto, e isto faz toda a diferença. Não é sob o mesmo aspecto que a Igreja é Santa e “precisa de purificação”. A Igreja é Santa em Si. Precisa de purificação em Seus membros pecadores. São modos distintos. Não apenas não há contradição, como isto é um fato incontestável: os membros pecadores da Igreja fazem parte da Igreja e precisam de purificação.

Podem questionar a oportunidade da expressão. Mas é uma discussão infrutífera: não faz diferença, pois o ensino do Magistério deve ser acolhido no seu sentido católico, e não repudiado até que seja expresso da forma que julgarmos melhor. O que a assistência do Espírito Santo garante é a inexistência de erros, e não a mais perfeita formulação das Verdades. Posso concordar facilmente que o texto conciliar poderia ser escrito melhor; não posso concordar, de nenhuma maneira, que isso seja motivo para um leigo descartá-lo.

Até porque não há “invenção” alguma ao dizer que a Igreja precisa de purificação. Os seguintes trechos – os grifos são meus – são dos dois maiores doutores da Igreja, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, e estão ipsis litteris no “Memória e Reconciliação” da Comissão Teológica Internacional. Antes que mo digam, eu sei que a CTI não é Magistério. Mas não estou argumentando com textos da CTI, e sim com textos de dois doutores da Igreja citados pela CTI. Ei-los:

Observa St. Agostinho contra os pelagianos: “A Igreja no seu conjunto afirma: Perdoai-nos os nossos pecados! Ela, portanto, tem manchas e rugas. Mas, mediante a confissão as rugas são removidas, mediante a confissão as manchas são lavadas. A Igreja está em oração para ser purificada pela confissão, e enquanto os homens viverem na terra isto será assim” (25), E S. Tomás de Aquino precisa que a plenitude da santidade pertence ao tempo escatológico, enquanto a Igreja peregrinante não se deve enganar a si mesma afirmando ser sem pecado: “Que a Igreja seja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o objectivo final para o qual tendemos em virtude da paixão de Cristo. Isto apenas existirá, no entanto, na pátria eterna, e não já na peregrinação; aqui […] enganar-nos-íamos se disséssemos não ter qualquer pecado” (26).

[…]

25. St. AGOSTINHO, Sermo 181,5,7: PL 38, 982.

26. S. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologica III q.8 a.3 ad 2.

Memória e Reconciliação, 3.3

Em outro sentido, portanto, não há que se compreender o texto do Vaticano II. Que ninguém o faça; nem para pregar uma doutrina diferente da Doutrina Católica, e nem para instigar a desobediência no seio da Igreja e arrogar-se o direito de julgar o Magistério.

Gaudens gaudebo in Domino – na Festa da Imaculada Conceição da Virgem Santíssima

Gaudens gaudebo in Domino, et exsultabit anima mea in Deo meo: quia induit me vestimentis salutis: et indumento justitiae circumdedit me, quasi sponsam ornatam monilibus suis. Ps. Exaltabo te, Domine, quoniam suscepisti me: nec delectasti inimicos meos super me. Gloria Patri.

INTROITO da Missa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora

Celebramos hoje com alegria a festa da Virgem Imaculada; d’Aquela Mulher que desfez, pela obediência, o que Eva havia feito pela desobediência. Daquela Mulher que é a Nova Eva, a Mãe dos Remidos, como a primeira foi a mãe dos viventes: Maria é a mãe da Vida Sobrenatural.

São Luís de Montfort nos ensina que não há filho de Deus que não o seja também da Virgem Santíssima. Não há cristão verdadeiro, membro da Igreja, que não seja filho de Maria Santíssima, posto que a Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Cristo é a Cabeça, e a Mãe da Cabeça – a Virgem Santíssima – é logicamente também a Mãe do Corpo; caso contrário, estaríamos diante de uma aberração. A devoção à Virgem Santíssima, como ensina a Igreja, não é “acessória” à vida cristã, como uma devoção particular opcional. Não; a devoção à Virgem Santíssima é essencial ao Cristianismo. Se somos cristãos, se somos imitadores de Nosso Senhor, devemos imitá-Lo também na filiação amorosa à Sua Mãe Santíssima. Ele escolheu ser Filho da Virgem Maria; quem somos nós para nos negarmos a sê-lo?

A melhor de todas as mães – alegremo-nos! Porque é Imaculada, desde a Sua concepção. Porque trouxe ao mundo a Salvação – Jesus Cristo. Porque venceu sozinha todas as heresias do mundo inteiro. Porque jamais se ouviu dizer que tivesse desamparado quem se Lhe achegasse com confiança. Porque é a Medianeira de Todas as Graças, sempre atenta às nossas necessidades, sempre liberal em Seus favores, rogando a Deus por nós mais do que ousaríamos pedir.

Imaculada! Aquela que jamais teve parte com o pecado. Sem mácula alguma, única Filha da estirpe humana sobre a qual Satanás nunca conseguiu lançar as suas garras. Celebramos hoje, com gáudio, a vitória da Virgem Santíssima: vitória que, por desígnio de Deus, iniciou antes mesmo do nascimento d’Ela. Antes que Nosso Senhor viesse ao mundo, já neste mundo estava a Virgem Santíssima. Cantando a vitória do Sol da Justiça que estava às portas. Impondo terror às hostes infernais, antes mesmo de que o Filho de Deus Se fizesse Carne.

Celebramos hoje este insondável mistério de Deus: a plenitude de todas as graças, reunidas em uma só criatura humana; a antecipação da Vitória da Cruz em Maria Santíssima (pois sabemos que a Virgem foi preservada do Pecado Original em antecipação dos méritos do Sacrifício de Cristo do Calvário); e a entrega de uma tão preciosa obra-prima para nós. Para que seja nosso modelo, no dia-a-dia. Para que seja o nosso refúgio, quando pecarmos. Para que seja a nossa consoladora, quando estivermos aflitos. Para que seja a nossa saúde, quando estivermos enfermos. Para que seja o nosso auxílio, se somos cristãos. Para que seja a causa da nossa alegria!

Roguemos aos pés da Virgem Imaculada, que Ela nos leve a Deus; Aquela que um dia trouxe Deus até nós, pode também realizar o grande milagre de nos levar até Ele. Prodigioso milagre, realizado em favor de nós, que somos pecadores: levar-nos até o Deus Altíssimo! Mas nada é impossível à Virgem Santíssima, Maria Imaculada, Senhora Nossa e Nossa Mãe. Mãe, que deseja o bem aos Seus filhos; Mãe, que tudo faz por eles. Conseguimos conceber o que significa a Virgem Imaculada, Onipotência Suplicante, tudo fazer em nosso favor? Somos felizes, e não o sabemos; infinitamente agraciados, e não o damos valor.

Que Ela nos leve a Deus: outro milagre nós não pedimos. Que os Seus louvores cantados por nós aqui na terra possam nos fazer merecer, um dia, cantá-los no Céu. Junto à Virgem Santíssima, à Virgem Imaculada, à Mãe de Deus e nossa Mãe também. Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non est in Te: Deus vos salve, Maria Puríssima, cheia de Graça!

Os gays e o Reino dos Céus

Não achei em ZENIT, nem no site do Vaticano, nem na Radio Vaticana, nem em lugar nenhum. Mas saiu em R7 e no Estadão: “Cardeal diz que homossexuais ‘não entrarão no reino dos céus'”.

O cardeal é S.E.R. Javier Lozano Barragan, “[e]x-presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde”. Segundo a mídia secular, as declarações foram feitas ontem, quarta-feira, 02 de dezembro, à agência de notícias italiana Ansa.

Do Cardeal Barragán, não conheço quase nada. Encontrei no google uma mensagem proferida na Jornada Mundial contra a AIDS, em 2005; outra por ocasião do 56º dia mundial dos Doentes de Lepra, em 2009. Não sei em qual contexto foram feitas as declarações à Ansa; no entanto, sei que as palavras do cardeal podem ser e serão (se é que já não foram…) distorcidas, de modo que gostaria de tecer alguns comentários ligeiros.

Antes de mais nada, o cardeal está certo, objetivamente. É óbvio que os pecadores não entrarão no Reino dos Céus, por definição: o Céu é o lugar onde não existe pecado. Se isto for considerado “discriminação”, e se é insuportável à mentalidade igualitarista dos nossos dias, paciência. O Céu discrimina: n’Ele, só entram os justos. Nosso Senhor discrimina: separa os justos dos pecadores, as ovelhas dos bodes, o trigo do joio.

Ademais, a passagem bíblica referida por Sua Eminência é a epístola de São Paulo aos Romanos, Capítulo 1, versículos 26ss; “paixões vergonhosas”, “relações contra a natureza”, “torpeza” e “desvario” são expressões utilizadas pelo Apóstolo. Portanto, se há “homofobia”, ela está nas Escrituras Sagradas, e não no discurso do cardeal mexicano!

Esta é a verdade, e ela não pode ser mudada em atenção aos melindres dos que não acreditam em Deus. Os actos homossexuais, desordenados objetivamente, são pecaminosos. Não há espaço para o pecado na presença do Deus Altíssimo. A conclusão que se impera é imediata: não, não há lugar para os homossexuais no Reino dos Céus. Nisto, está certo o cardeal mexicano. Há, no entanto, uma ressalva – óbvia para os católicos – que precisa ser feita, para evitar as distorções dos anti-clericais de todos os naipes.

Não há espaço no Reino dos Céus para homossexuais ou para adúlteros, para prostitutas ou para ladrões, para assassinos ou para idólatras; mas há espaço – e muito! – para os penitentes e os arrependidos. Assim, a resposta à pergunta “o que é ser homossexual?” tem uma importância fundamental para que se entenda o que disse o cardeal Barragán.

Se “homossexual” for o indivíduo praticante que comete os seus atos desordenados sem se arrepender deles, então a sua entrada na Vida Eterna – como a de qualquer pecador – está condicionada ao arrependimento de suas faltas. No entanto, se “homossexual” for o indivíduo que tem tendências a se afeiçoar por pessoas do mesmo sexo e, mesmo assim, heroicamente, luta contra as suas más inclinações e se esforça por levar uma vida reta e agradável aos olhos de Deus, então é deste que é o Reino dos Céus. E estes, como as prostitutas arrependidas, preceder-nos-ão no Reino. Outro sentido às Escrituras Sagradas não pode ser atribuído levianamente. Tachar a Verdade de “homofóbica” não a torna menos premente.