São João Batista, um santo que já nasce santo

De São João Batista comemora-se não o dia da morte (*), mas o do seu nascimento; porque ele, ao contrário dos outros santos e santas de Deus, já nasceu santo. Quando a Santíssima Virgem saudou santa Isabel e o menino pulou de alegria no ventre dela (cf. Lc I, 40ss), naquele momento aconteceu o primeiro milagre do Novo Testamento, depois do Milagre supremo da Encarnação do Verbo: naquele instante, uma mulher ficou cheia do Espírito Santo e uma criança – ainda no ventre da sua mãe – foi santificada.

[(*): Na verdade, a festa da Decapitação de São João Batista existe, e é celebrada (tanto no calendário novo quanto no antigo)  no dia 29 de agosto. Mas a festa do nascimento do Batista é maior e mais conhecida do que a de sua morte, e é ele o único santo (à exceção, claro, do próprio Cristo e da Virgem Santíssima) de quem se celebra o nascimento.]

São João Batista nasceu santo, assim com a Santíssima Virgem e assim como Nosso Senhor. Mas a razão desses três nascimentos luminosos é bastante distinta. Cristo nasceu santo porque é Deus e, por Sua própria natureza, não poderia jamais nascer de nenhuma outra maneira. A Santíssima Virgem nasceu santa porque foi preservada, no instante em que foi concebida, da mácula do pecado original: é o dogma católico da Imaculada Conceição. Já São João Batista nasceu santo porque, embora tenha sido concebido no pecado, foi santificado ainda no ventre de sua mãe. Cristo não teve e não poderia ter jamais a mancha do Pecado Original; a Virgem Santíssima poderia tê-la, e a teria, se dela não tivesse sido salva por Deus no instante da Sua concepção; São João Batista teve-a de fato, mas dela foi purificado ainda no ventre materno.

É um santo que já nasce santo quem hoje se celebra: tal acontecimento privilegiadíssimo não se tem notícia de que tenha voltado a ocorrer depois daquela noite bendita nas montanhas de Judá! O “precursor” que hoje nos nasce mereceu do próprio Cristo aquele elogio rasgado: dos nascidos de mulher, não surgira jamais outro que fosse maior do que João Batista (cf. Mt XI 11). Não é de se espantar que a Igreja lhe reserve esse lugar privilegiado. Não é de estranhar, portanto, que ele seja celebrado com tanta pompa no mundo inteiro e principalmente no Brasil.

Porque as fogueiras, os fogos, as danças, as bebidas e tutti quanti são, também, em honra a esse grande santo: não é só com primeiras vésperas, liturgias de primeira classe e procissões solenes que são honrados os santos de Deus! A piedade popular tem a sua maneira própria de impregnar o seu quotidiano com as luzes do calendário litúrgico da Igreja. Infelizmente, muitas de nossas festividades juninas estão completamente secularizadas, paganizadas até; mas convém não esquecer que elas, em sua gênese e, portanto, por direito, foram instituídas para honrar São João Batista. Por conseguinte, pode-se (e se poderia até dizer: deve-se!) usar tudo o que é propriamente junino para homenagear São João. Mesmo os fogos. Mesmo a quadrilha. Mesmo a canjica. Mesmo o quentão.

E que São João Batista seja honrado não só no dia de hoje, mas em toda a nossa vida, que esta é a maneira pela qual se honram mais perfeitamente os santos de Deus: imitando-lhes as virtudes no sacrifício quotidiano de uma vida agradável ao Altíssimo. O santo, aliás, não é propriamente conhecido por seus arroubos festivos: dele se disse que «nem comia pão nem bebia vinho» (Lc 7, 33), e a frase que lhe ficou mais característica foi aquela terrível «O machado já está posto à raiz das árvores. E toda árvore que não der fruto bom será cortada e lançada ao fogo» (Lc 3, 9).

Hoje, claro, celebra-se o pequeno filho recém-nascido de Isabel, o São João do Carneirinho, e não o corajoso mártir cuja cabeça foi servida numa bandeja de prata por desafiar os poderosos; mas não convém esquecer que ambos são o mesmo homem e, portanto, os gritos de «Penitência!» que esta criança um dia há-de fazer ecoar no deserto aplicam-se, sim, sem dúvidas, também ao dia de hoje, quando ainda festejamos o seu nascimento. Que essas considerações iluminem as nossas noites juninas e todas as noites que nos forem concedidas nessa vida. Que São João Batista, hoje honrado no mundo inteiro, rogue e interceda sempre por todos nós.

Pela historicidade de São Jorge, mesmo com o dragão

Hoje é-me um dia particularmente festivo: 23 de abril é festa de São Jorge, meu onomástico e também do Papa Francisco gloriosamente reinante. É um privilégio compartilhar com o atual Vigário de Cristo o nome de Batismo; neste dia de São Jorge, peço ao mártir que nos dê – a nós, jorges em honra e dívida a ele – a sua têmpera e a sua firmeza.

São-Jorge

São conhecidas as lendas modernas a respeito da festa de hoje. Muitos dizem que o santo não existiu de fato ou que a sua celebração foi suprimida pela Igreja. Nada disso procede. A festa litúrgica continua sendo celebrada, sim, no dia de hoje, 23 de abril, nos dois calendários (tradicional e reformado). Sobre os detalhes históricos da biografia tradicionalmente atribuída ao santo, é na minha opinião elucidativo escutar o que já foi dito por D. Estêvão sobre o assunto:

A respeito de São Jorge, portanto, apenas se pode dizer com segurança que nasceu em Lida (Lydda) na Síria por volta de 270 e foi martirizado em Nicomédia no ano de 303. São considerados como incertos ou mesmo lendários os pormenores habitualmente narrados: Jorge, como soldado do Império Romano, teria participado de uma campanha na Pérsia, após a qual haveria residido em Beirute (Síria); nesta cidade, teria lutado contra um dragão; depois disto, dizem que Diocleciano o enviou em expedição à Grã-Bretanha; Jorge atravessou então o mar da Irlanda, hoje também dito «Canal de São Jorge», e desembarcou em Porta Sistuntiorum; daí dirigiu-se para Glastonbury em peregrinação ao túmulo de seu compatriota José de Arimatéia…

Estamos falando de um santo que morreu há dezoito séculos. É claro que não temos hoje uma reconstituição precisa de sua vida, e nem isso é importante. A ausência de dados biográficos detalhados não implica na inexistência de ninguém. Para fins de culto litúrgico, basta saber que o santo existiu e praticou heroicamente a Fé (no caso, ao menos dando o supremo testemunho Martírio).

Naturalmente, se vamos nos espelhar no exemplo de São Jorge (ou de qualquer outro santo), ser-nos-ia muito útil conhecer mais detalhes da sua vida. As tradições piedosas que nos foram legadas pelo seu culto multissecular podem não ter a garantia férrea das fontes historiográficas incontestáveis, mas nem por isso nos é lícito afastá-las como se fossem “estórias” sem fundamento. Repetimos: nem tudo o que não é cientificamente demonstrado é, por conta disso, falso ou mítico. A biografia rigorosa de São Jorge pode ser extremamente lacônica, mas o santo tem também uma biografia passível de ser reconstituída a partir das tradições cristãs que, embora não possa pretender o mesmo grau de certeza daquele minimum ao qual D. Estêvão já aludiu, não obstante é ao menos possível e não é sensato descartá-la por mero preconceito tecnicista.

Que lições podemos tirar da vida do santo que hoje se celebra na Igreja? Para responder a esta pergunta, é interessante a leitura deste artigo sobre ele, que reconstrói os aspectos tradicionais da sua história a partir do que nos foi legado pela piedade cristã. Traz-nos tudo, naquela riqueza de detalhes tão caras às narrativas hagiográficas, inclusive as transcrições dos diálogos entre o mártir e as autoridades romanas que o condenaram nas longínquas perseguições anteriores ao Edito de Milão. “Que é a Verdade?”, pergunta o cônsul ao soldado cristão, parafraseando Pilatos. “É Jesus Cristo, meu Senhor, a quem perseguis”, arremata o grande Jorge. Bravo!

Por fim, vamos ao que todo mundo quer saber: e o dragão? O sr. Luís Azevedo – no texto acima linkado – diz que a história do dragão «não encontra fundamento real em sua vida». Não é tão simples assim. Na prestigiada Legenda Aurea de Jacobus de Voragine, sob o título de “São Jorge, Mártir”, é possível ler tudo, tintim por tintim: a cidade assolada pelo dragão, o povo reunido para matá-lo sem o conseguir, os sacrifícios feitos à fera – primeiro de animais, depois humanos – para a manter satisfeita, a sorte certa vez recaindo sobre a filha do rei, a princesa amarrada fora da cidade, prestes a ser devorada pela besta.

Milagres da Divina Providência: eis que por lá passa São Jorge! A nobre garota tenta dissuadir o valoroso cavaleiro de salvá-la, mas os seus rogos não são capazes de esmorecer o guerreiro. O dragão aparece e interrompe o diálogo, arremetendo contra ambos. São Jorge persigna-se e se lança à luta contra o monstro, conseguindo enfim prostrá-lo por terra. Amarra-o pelo pescoço com o cinto da princesa e a faz conduzi-lo de volta à cidade. À vista da fera todos se desesperam; mas São Jorge, imponente, pede àquele povo a profissão da Fé e o Batismo, que então ele mataria o dragão. O rei batiza-se com todo o povo – quinze mil homens, sem contar mulheres e crianças, a narrativa faz questão de quantificar – e São Jorge mata o dragão. Em agradecimento, o monarca oferece incontáveis riquezas a São Jorge, que as manda distribuir aos pobres e, deixando ao rei alguns conselhos, despede-se dele e parte. C’est fini.

Incrível? Sem dúvidas. De onde surgiu tão fabulosa história? Ela remete ao menos à Idade Média, há uns sete ou oito séculos atrás. O que há de verdade nela? Difícil dizer. Por favor, não me venham com os truísmos de “dragões não existem”, coisa que é evidente. Mas existem feras selvagens, povos rudes e maus, sacrifícios humanos, homens covardes e corajosos, lutas e conversões. O dragão é o que menos interessa na narrativa, e pode perfeitamente ser substituído por um urso feroz ou um cavaleiro poderoso sem alterá-la em praticamente nada. Impugnar a historicidade do santo por conta desse detalhe é tão sem sentido quanto negar a independência do Brasil por causa dos erros do quadro de Pedro Américo.

O problema aqui se situa em pelo menos dois níveis. Primeiro, não é – absolutamente! – necessário afirmar que é mítica a existência inteira de um personagem por causa de um trecho de sua biografia que nos soa inverossímil. Segundo, não é necessário nem mesmo, por causa da mescla de elementos fantásticos e plausíveis que se encontra nas narrativas sobre ele que nos foram legadas, reduzir toda a sua biografia a um minimum passível de ser criteriosamente estabelecido. Dá para descontar o dragão e mesmo assim haurir da controversa passagem virtudes heróicas capazes de nos aumentar a piedade cristã; e sem dúvidas é possível obter fruto, e muito, de outras passagens clássicas da vida do santo que ficam entre a inverossimilhança manifesta e o rigor documental, como as narrativas do seu martírio. E, claro, dá pra contar com a intercessão do valoroso São Jorge, cuja vida só conheceremos em detalhes quando nos encontrarmos na Glória de Deus. Que o glorioso mártir rogue por nós.

Penso que somos cegos das grandezas de São José

Guercino, Hl.Joseph - Guercino, St.Joseph - Guerchin, Giovanni Francesco Barbieri, d

Para ilustrar o “esquecimento” do Evangelho do qual padece o mundo moderno, dia desses um amigo mencionou um episódio significativo. Certo autor encontrava-se certa vez num museu de St. Petersburg, diante d’O Filho Pródigo de Rembrandt; e percebeu que pouquíssimas pessoas sabiam o que era retratado no famoso quadro. Para a maior parte dos transeuntes, era apenas “um quadro bonito” ou, no máximo, “um Rembrandt”.

O quadro acima é de um pintor barroco italiano, Guercino. Ao vê-lo hoje de manhã, lembrei-me imediatamente da conversa sobre a ignorância evangélica do século XXI à qual fiz referência acima; e pensei, com os meus botões, quantas pessoas seriam capazes de identificar o esposo da Virgem Maria nos traços de Giovanni Barbieri.

Hoje é dia 19 de março, e a data pode parecer corriqueira para muitas pessoas. No entanto, trata-se do dia do Glorioso São José, um santo que se destaca em envergadura acima dos outros santos e santas do Altíssimo como a Sagrada Família da Qual ele é chefe se eleva acima das outras famílias santas que a Igreja já produziu neste mundo. Trata-se de um homem tão santo que sob o seu patrocínio está não um único povo ou uma determinada classe de homens, mas a totalidade da Igreja de Deus.

Infelizmente, penso que estamos muitas vezes como os turistas que não reconhecem a Parábola do Filho Pródigo numa pinacoteca ou os internautas que não distinguem o rosto de São José numa Timeline de Facebook. Penso que somos cegos das grandezas de São José, ignorantes de suas glórias; o poder do Patrono da Igreja Universal é-nos estranho e desconhecido. Se o soubéssemos, provavelmente recorreríamos com mais freqüência à sua valorosa intercessão; e, se o fizéssemos, é certo que seríamos cristãos melhores.

Em uma meditação sobre o dia de hoje, alguém me lembrava que Deus confiou à guarda de São José os Seus dois maiores tesouros na terra: a Imaculada Virgem Maria e o Menino Jesus. Como não tremer de admiração diante da grandeza desse Paterfamilias? Como não se encomendar à proteção do Chefe da Sagrada Família de Nazaré?

Há farto material sobre o santo da lavra dos Papas dos últimos séculos, da Quamquam Pluries de Leão XIII ao Bonum Sane de Bento XV (em português aqui), chegando à Redemptoris Custos de João Paulo II. Outro não foi o tema da catequese de hoje do Papa Francisco. Para qualquer lado que olhemos, os Romanos Pontífices nos acenam com a importância do Protetor da Santa Igreja. Coloquemo-nos confiantemente sob sua providência. E rezemos, especialmente no dia de hoje, para «que mereçamos ter por intercessor no céu o que veneramos na terra como protetor». Que o ilustre filho de Davi nos proteja. Que São José interceda por todos nós.

“Este São Francisco não existe!” – Papa Francisco

A paz franciscana não é um sentimento “piegas”. Por favor: este São Francisco não existe! E nem é uma espécie de harmonia panteísta com as energias do cosmo… Também isto não é franciscano! Também isto não é franciscano, mas é uma ideia que alguns construíram! A paz de São Francisco é aquela de Cristo, e a encontra quem “toma sobre si o seu jugo”, isso é, o seu mandamento: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (cfr Gv [Jo] 13,34; 15,12).  E este jugo não se pode levar com arrogância, com presunção, com soberba, mas somente se pode levar com mansidão e humildade de coração.

Dirigimo-nos a ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a sermos “instrumentos da paz”, da paz que tem a sua origem em Deus, a paz que nos trouxe o Senhor Jesus.

– Papa Francisco
Missa na Praça São Francisco de Assis, em Assis
04/10/2013

No alto da Cruz ou aos pés d’Ela

É interessante que ao 14 de setembro siga-se o 15 de setembro; ou, dito de outro modo, para parecer menos simplório, é interessante que logo após a festa de Exaltação da Santa Cruz (dia 14) a Igreja celebre a festa de Nossa Senhora das Dores (dia 15).

Certo, o dia 14 é para celebrarmos o «o glorioso fato da reconquista da Santa Cruz das mãos dos Persas»; não obstante, é-nos impossível não pensar também na Crucificação em si, naquelas palavras de Cristo: «quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim» (Jo XII, 32). Ave Crux, Spes Unica: Salve, ó Cruz, única Esperança! Foi pela Paixão de Cristo que nós fomos salvos, assim aprendemos quando ainda éramos crianças. No entanto, esta verdade é sempre nova, e a cada vez que voltamos o nosso olhar para o Calvário nós entendemos um pouco melhor o que significa a nossa salvação. O tempo passa, e acumulamos pecados sobre pecados em nossas almas; o tempo passa, e temos o péssimo hábito de colecionar ofensas a Deus. Será possível que ainda poderemos ser perdoados, e de novo, e ainda mais uma vez, nós que já recebemos tanto a misericórdia do Altíssimo e, não obstante, temos retribuído a Ele com tanta mesquinhez?

Deus nunca Se cansa de nos perdoar, e olhando para a Sua Cruz temos a obrigação de amá-Lo cada vez mais, pois somos cada vez mais perdoados. A Cruz d’Ele é sempre nova e sempre que a olhamos, Ela se nos aparenta um pouco mais pesada, propter peccata nostra; cada vez que nos colocamos diante de um Crucifixo, constatamos envergonhados que há um pouco mais de sofrimento ali, colocado por nós. Pelos pecados de cada dia, com cuja malícia nós muitas vezes sequer nos importamos. Não sei se Oscar Wilde pensava nisso ao escrever o seu Retrato de Dorian Gray, mas o fato é que todos nós temos um retrato que fica cada vez mais disforme à força de nossas decrepitudes morais: a Crucificação é um pouco mais horrenda a cada dia, por culpa de nós. Se não percebemos a evolução deste sagrado sofrimento, é porque temos olhado com bem pouca atenção para Aquele que transpassamos.

E aos sofrimentos d’Ele sempre estiveram unidos os d’Ela, como bem o sabemos; a Virgem das Dores sempre acompanha a Paixão do Seu Divino Filho, e assim as nossas faltas não ofendem somente a Ele: também machucam o coração desta amabilíssima Mãe. Que, à semelhança do Seu Filho, não conhece limites para nos amar e volve o Seu olhar maternal para nós talvez com tanto mais fervor quanto mais veemência aplicamos em ofender-Lhe. Talvez não suportássemos a fealdade da Crucificação se a Santíssima Virgem não estivesse lá; talvez voltássemos o nosso rosto com horror e caíssemos no desespero, se a serena beleza d’Aquela Senhora não estivesse lá a nos insuflar coragem.

Somos pecadores, e volvendo o nosso olhar do Crucificado para a Virgem das Dores esta verdade nos salta aos olhos com uma aterradora clareza. No entanto, no alto da Cruz ou aos pés d’Ela, se olharmos com atenção, nós não encontramos senão misericórdia. É grande a nossa culpa, sim, e as dores do Gólgota não nos permitem esquecê-la; no entanto, maior é o amor d’Aquele que quis sofrer e morrer por nós quando ainda éramos pecadores. Maior é o amor d’Aquela que entregou o Seu Filho inocente a nós. Nas dores que infligimos a Cristo e à Santíssima Virgem, bem que poderíamos encontrar a nossa perdição; no entanto, se meditarmos compungidos e arrependidos nestes mistérios sagrados, descobriremos jubilosos que é do Calvário que se nos abrem as portas da nossa salvação.

Corte americana decreta: fotógrafos cristãos não têm o direito de recusar trabalhos em “casamentos” homossexuais

Foi com profunda consternação que eu fiquei sabendo desta decisão de uma corte americana de obrigar fotógrafos cristãos a trabalharem em “casamentos” de homossexuais. A notícia diz também que uma pesquisa realizada em julho constatou que 85% dos americanos acreditam que um fotógrafo cujas crenças se oponham ao “casamento” homossexual deve ter o direito de se negar a trabalhar em uma cerimônia desse tipo, contra só 8% que acham que ele deve ser obrigado a isso. Na contramão dos verdadeiros direitos humanos (como as justas liberdades individuais), do bom senso mais elementar e da esmagadora maioria dos cidadãos do país, contudo, um tribunal se acha no direito de obrigar um pobre fotógrafo a trabalhar numa cerimônia que ofende as suas convicções mais íntimas!

Já antevejo os sofistas que aparecerão por aqui para me perguntar se o fotógrafo se recusasse a tirar fotos de um casal negro. Respondo de imediato: primeiro, que as duas coisas não são de nenhuma maneira da mesma espécie (o que por si só impede a comparação), uma vez que características físicas não podem ser equiparadas a comportamentos sexuais. O adultério, p.ex., é outro comportamento sexual condenado pela moral cristã, e é bastante lógico que um fotógrafo católico não pode ser obrigado a produzir o álbum das “segundas núpcias” de ninguém. Se alguém tivesse a cara de pau de comparar divorciados recasados com negros, não provocaria senão risos da platéia, uma vez que o descabimento da comparação ficaria patente. Comparar sodomitas com negros não é menos descabido. Em qualquer um dos casos, tem-se uma característica física de um lado contra um comportamento sexual do outro, duas coisas que evidentemente não têm nada a ver uma com a outra.

Segundo, que não existe uma única religião na face da terra que considere que a “negritude” ofende profundamente as suas crenças, e portanto a referência a situações hipotéticas inexistentes só demonstra o desespero dos promotores da causa gay, que precisam aventar situações que só existem nas suas cabeças para desqualificar o direito à liberdade de crença por meio de um rótulo odioso sem correspondência com a realidade.

Terceiro, que se fosse um ator ateu recusando-se a fazer o papel de Jesus Cristo ou um publicitário homossexual recusando uma campanha de promoção da Família Tradicional não apareceria um único palhaço para perguntar se seria certo eles se recusarem a interpretar um personagem negro ou a fazer uma peça publicitária para a valorização da cultura negra. Todos defenderiam alegremente o direito destes profissionais de não realizarem trabalhos que contrariassem as suas convicções, sem recorrer a sofismas de botequim para pintar direitos legítimos como se fossem discriminações odiosas.

A despeito de tudo o que se possa dizer em favor desta arbitrariedade e deste abuso de poder das autoridades de Justiça, o fato é que esta sentença da Suprema Corte do Novo México vai na contramão dos direitos e garantias individuais conquistados a tanto custo no decurso dos séculos. Se as pessoas não reagirem de imediato e com veemência contra esta sanha totalitária dos tribunais modernos, serão terríveis os dias que estão por vir.

Hoje é o dia do Martírio de São João Batista. O santo foi preso e posteriormente decapitado por denunciar as relações indecorosas entre o rei Herodes e a esposa do seu irmão, Herodíades. Naquela época não era lícito compactuar com a iniqüidade, mesmo que para isso fosse necessário confrontar os maus costumes dos reis. Atualmente, as coisas não mudaram: ainda não é lícito ser conivente com as imoralidades contemporâneas. Mesmo que para isso seja necessário desafiar os poderosos dos dias de hoje. Mesmo que isso nos custe a honra, a liberdade e a vida. Que São João Batista mártir interceda por nós.

Salve, ó Rainha assunta aos Céus!

Se temos dificuldades em perceber os efeitos maléficos do pecado na nossa vida, que o dia de hoje sirva ao menos para deles fornecer-nos um vislumbre. Hoje é o fim terrestre d’Aquela com quem jamais teve parte o pecado; o Seu último ato neste mundo, antes de ser elevada à glória de Deus, foi precisamente a Sua maravilhosa Assunção.

Corpo e Alma elevados a Deus! Se é verdade que temos naturalmente que morrer, não é verdade que a corrupção do túmulo nos estava originalmente assinalada. Sim, a nossa peregrinação terrestre sempre esteve fadada a terminar um dia; mas entre terminá-la na podridão do túmulo ou na glória da Assunção, que diferença gigantesca! Eis aí para que nos serve o pecado: para nos prender à terra quando deveríamos voar para Deus. Eis o salário do pecado, eis o aguilhão da Morte, descortinados à nossa frente n’Aquela que não os sofreu. Se é na doença que se percebe o valor da saúde, é contemplando a Assunção que percebemos com todo o horror a chaga causada em nós pelo pecado.

Salve, ó Virgem Gloriosa, Rainha assunta aos Céus! Salve, esplendor da Criação. Salve, glória da nossa humanidade. Rogai por nós a Deus; para que não nos acostumemos jamais com a miséria do pecado. Para que não desistamos jamais de lutar por uma parcela daquilo que hoje refulge em Vós.

Uma palavra de S. Josemaría

[No dia de San Josemaría Escrivá, trago uma palavra do santo particularmente adequada para os tempos em que estamos vivendo. Tempos em que nos sentimos esmagados sob as forças do mundo. Tempos em que trememos e desanimamos diante da vastidão dos exércitos de Satanás… Tempos, enfim, que exigem sobremaneira orações, para que dos Céus venha o nosso socorro. A máxima inaciana – afinal de contas, temos um Papa Jesuíta! – do “reze como se dependesse somente de Deus e trabalhe como se dependesse apenas de você” permanece, talvez mais do que nunca, uma orientação segura para os que queremos fazer das nossas pobres vidas um sacrifício agradável ao Deus Todo-Poderoso. Que a Santíssima Virgem olhe por nós e nos guarde. Que, apesar dos nossos muitos pecados, Ela intervenha na História mais uma vez em nosso favor.]

163. Não sabes se será abatimento físico ou uma espécie de cansaço interior o que se apoderou de ti, ou as duas coisas ao mesmo tempo…: lutas sem lutar, sem ânsias de uma autêntica melhora positiva, com o fim de comunicares a alegria e o amor de Cristo às almas. Quero recordar-te as palavras claras do Espírito Santo: só será coroado aquele que tiver combatido “legitime” – de verdade, apesar dos pesares.

(S. Josemaría Escrivá, “Sulco”, 163)

Papa Francisco: “a dignidade de João, sem idéias próprias, sem um Evangelho tomado como propriedade”

João parece ser nada. Essa é a vocação de João, anular-se. E quando contemplamos a vida deste homem, tão grande, tão poderoso – todos acreditavam que ele era o Messias -, quando contemplamos essa vida, como se anula até a escuridão de uma prisão, contemplamos um grande mistério. Nós não sabemos como foram os últimos dias de João. Não sabemos. Sabemos apenas que ele foi morto, a sua cabeça colocada em uma bandeja, como grande presente para uma dançarina e uma adúltera. Eu acho que mais do que isso ele não podia se rebaixar, anular-se. Esse foi o fim de João.

[…]

Hoje na oração pedimos a graça da alegria, pedimos ao Senhor para animar esta Igreja no seu serviço à Palavra, de ser a voz desta Palavra, pregar essa Palavra. Vamos pedir a graça: a dignidade de João, sem idéias próprias, sem um Evangelho tomado como propriedade, apenas uma Igreja voz que indica a Palavra, e isso até o martírio. Assim seja!

– Papa Francisco
Solenidade de São João Batista

“E que é que Vossemecê me quer?”

Hoje é o dia de Nossa Senhora de Fátima, é o dia em que, há quase cem anos, três pastorinhos portugueses encontravam-se pela primeira vez com aquela Senhora que Se dizia do Céu. A história é-nos por demais conhecida, mas nunca é demais relembrá-la; porque a sua força transcende os anos e as décadas e nos desconcerta ainda nos dias de hoje. Três crianças e uma Senhora vinda do Céu.

“E que é que Vossemecê me quer?” A pergunta, feita em 1917 por uma criança, bem poderia ser repetida por cada um de nós. Ó Senhora, o que é que quereis de mim? Devíamos fazê-la e fazê-la de novo a cada dia, colocando-nos à disposição d’Aquela que o próprio Senhor nos deu por Mãe e que, a despeito de nossa incredulidade e dos nossos pecados, dignou-Se aparecer para nós. Que mistério assombroso é o dessa aparição, o que ela significa na nossa vida? Eis uma pergunta que deveríamos fazer a cada dia! Afinal, foi precisamente isto o que Bento XVI nos disse em Portugal, há exatos três anos, quando celebrou a sua última missa diante da esplanada do Santuário de Fátima: «Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída». E nós, que tivemos a imerecida graça de conhecer as maravilhas realizadas em Fátima, o que devemos fazer? O que o Todo-Poderoso espera de nós? O que esta Senhora nos quer?

Fátima, todos sabemos, é a grande resposta à incredulidade de um mundo que, no início do século XX, já começava a virar as costas a Deus. A seqüência de aparições hoje inaugurada culminou, em 13 de outubro de 1917, com o grande milagre do sol, presenciado por milhares de pessoas. Ora, de todos os milagres realizados por Nosso Senhor nos Evangelhos, talvez somente o da Multiplicação dos Pães pode ser comparável a este em número de testemunhas; como é possível que isto não nos signifique nada?

E, naquele dia de outubro de 1917, os incrédulos de todos os naipes foram a Fátima. E voltaram assombrados: nós temos os registros dos que foram testemunhas oculares do «macabro bailado do sol» daquele dia 13 terrível. Está lá:

Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fieis e deixou naturalmente impressionados – ao que me asseguraram sujeitos fidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.

Mas seria muita impiedade de nossa parte reduzir a mensagem de Fátima àquilo que ela tem de maravilhoso. A Santíssima Virgem não teria descido dos Céus apenas para balançar o Sol sobre as cabeças dos livres-pensadores que, já naquela época, empestavam Portugal. A incredulidade contra a qual se levanta a Virgem de Fátima é também a nossa incredulidade: a nossa desesperança, a nossa dureza de coração.

Dureza de coração, porque pecamos; e, mesmo com todas as mercês que Deus tem nos concedido, parece que temos um prazer mórbido em continuar pecando! Contra esta ofensa horrenda que dedicamos ao Todo-Poderoso, aquela Senhora Terrível nos levanta o tríplice brado de “Penitência!” que o Anjo do Terceiro Segredo dirige a toda a terra. E, contra a desesperança à qual podemos ser conduzidos ao contemplarmos desolados os escombros da Cidade de Deus, a Bondosa Senhora do Céu nos promete que, no final, triunfará o Seu Imaculado Coração.

Aproximamo-nos do Centenário das aparições de Fátima; vai fazer um século! Mas, se voltarmos os nossos olhos para a Cova da Iria com olhar sobrenatural, percebemos que bem poderia ter sido ontem. O mundo não parece estar menos incrédulo do que em 1917, e os pecados então cometidos não parecem mais graves do que estes com os quais ainda hoje ofendemos a Deus. Como é possível que coisas tão extraordinárias nos tenham acontecido e, mesmo assim, estejamos tão parecidos com o que éramos antes…? Voltemo-nos para Fátima, aproximemo-nos humildemente desta Amável Senhora. Perguntemo-Lhe o que Ela deseja de nós. Ouçamos o Seu pedido por penitência que temos sido tão negligentes em atender; e comecemos a fazer a nossa parte para sermos um pouco mais o que Ela nos chama a ser. Talvez assim Deus Se compadeça de nós. Talvez assim Ele nos conceda a graça de contemplarmos o prometido Triunfo do Imaculado Coração de Sua Mãe.