O aborto, a CNBB e o Planalto

Ainda não havia tido tempo de comentar aqui sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) aprovado pelo presidente Lula no final do ano passado. Leiam o DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009; neste link, consta o decreto do sr. Presidente da República e, em anexo, o PNDH-3.

Com este decreto, “[a]poiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos” passa a ser, oficialmente, um objetivo estratégico do Governo. Não se trata mais somente nem da posição particular de um político concreto, nem da orientação de um partido político que admite a pluralidade de opiniões, e nem da imposição de um determinado partido que expulsa do seu grêmio os que pensam diferente. Não; com o Programa Nacional de “Direitos Humanos”, apoiar a descriminalização do aborto é uma diretriz de governo que inclusive transcende os partidos políticos.

Fica cada vez mais evidente aquilo que outras pessoas vivem dizendo: o estrago que o PT vem fazendo nas instituições brasileiras agiganta-se a olhos vistos, e torna-se difícil vislumbrar, no horizonte, a possibilidade de um cenário político onde as seqüelas da gestão atual não se façam dolorosamente presentes.

Vi hoje, no entanto, uma notícia interessante na Folha: Igreja também critica plano de direitos humanos de Lula. Os movimentos pró-vida brasileiros estão levando a sério esta nova investida do PT. Duas coisas chamam a atenção (os itálicos são citações):

  1. O problema do PNDH-3 não se resume à questão do aborto. Os itens propõem ações coordenadas de governo para apoiar “a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto”, “mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos”, “a união civil entre pessoas do mesmo sexo” e “o direito de adoção por casais homoafetivos”.
  2. O objetivo de d. José [responsável pelo Comitê de Defesa da Vida do Regional Sul-1 da CNBB] é conseguir uma declaração da CNBB sobre o tema, mas há bispos, mesmo entre aqueles que compartilham de sua indignação, que preferem não bater de frente com o Planalto. Vários religiosos e setores da igreja são aliados tradicionais da esquerda e do PT em outras causas defendidas no documento.

Ou seja: existe um decreto do presidente da república que transforma em política oficial do Governo desvios morais gravíssimos, frontalmente contrários à Lei Natural, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil prefere não bater de frente com o Planalto! Prefere, então, a CNBB bater de frente com Nosso Senhor? Prefere cruzar os braços e deixar o Planalto promover o assassinato de inocentes?

É isto mesmo, senhores bispos do Brasil?

OFF – Largo al factotum

Quem não conhece a ária de Gioacchino Rossini por seu nome, certamente a conhece pelo nome da ópera – O Barbeiro de Sevilha – ou, quando menos, por “Figaro”. Peço antecipadamente que me perdoem por conspurcar assim a música clássica, mas é que esta tradução da obra exigiu doses admiráveis de perspicácia. Ah, traduttore, traditore

Sermão de Reis – São João de Ávila

Os que não acabaram

Vinham os magos, decididos. Quem não se decide a servir a Deus por toda a vida ou a morrer à sua procura não está capacitado para a guerra. Deus ordenava aos israelitas que, à hora de entrarem em combate numa guerra, se anunciasse por meio de um arauto que todos os que estivessem construindo uma casa e ainda não a tivessem acabado, e todos os que tivessem plantado uma vinha e ainda não tivessem colhido os frutos, e todos os casados e todos os medrosos – voltassem para suas casas (Deut 20, 5 e segs; 1 Mac 3, 56 e Jz 7, 3).

– “Padre, que quereis dizer com isso?” Que nem todos estão capacitados para a guerra. Porque dirás: – “Não acabei o que estava fazendo”. Tereis o corpo na guerra e o coração em casa (cf. Mt 6, 21). Esses são os homens sobrecarregados com os ocupações da vida: – “Que farei, que comerei, como sustentarei os meus filhos?” (cf. Mt 6, 25 e 31). Julgais que, preocupando-vos em demasia, conseguireis manter-vos. Infeliz o homem que não se apóia em Deus, mas que vive pensando se choverá muito ou se não choverá!

Dou-te este sinal para que vejas se estás apoiado em Deus: se nas dificuldades te afliges, se nos sofrimentos te encolhes, não estás apoiado em Deus. Na hora da angústia me reconfortastes (Sl 4, 2), diz Davi. – “Não posso Eu sustentar-te sem a chuva?”, diz-te o Senhor. Aquele que se apóia em Deus não se deixa abater nem pelos sofrimentos, nem pelas angústias, nem pela morte, nem pelo inferno. Quem não se apóia n’Ele, quanto medo sente, como anda preocupado!

Disse Jesus Cristo: Não vos preocupeis pela vossa vida, nem pelo vosso corpo, nem pelo que vestireis (Mt 6, 25-31). Estais tão cheios de preocupações com o muito comer e beber que, se a palavra de Deus entrar nos vossos corações, um minuto depois será sufocada! (cf. Mt 13, 22) Trabalhai e ganhai o suficiente para comer, que Deus assim o quer, mas essas preocupações e angústias desmedidas são sinal de que não estais apoiados em Deus. Quem se encontra nesse estado não irá para a guerra.

Os sensuais e os medrosos

Em segundo lugar, os casados, que aqui quer dizer os sensuais. Diz o Sábio: Qualquer palavra sábia, ouvida por um homem sensato, será louvada por ele e dela se aproveitará. Que a ouça um luxurioso, e lhe parecerá desagradável e a arremessará para trás das costas (Ecli 21, 18). Não há pecado que mais entorpeça a alma do que este. Jovem lascivo, olha que dentro em pouco essa tua carne será alimento para os vermes e se transformará em cinzas. Podes retirar-te: não irás para a guerra.

Em terceiro lugar, estão os medrosos, os que se preocupam com o que se pode dizer deles. Observamos a esposa: – “Tens dez saias e a tua irmã apenas uma; tens seis mantilhas e a tua irmã apenas uma, com a qual vai à missa. Isso não é fraternidade; não pareces acreditar que Jesus Cristo está no pobre. Vende essa saia, contenta-te com uma ou duas, e com as outras compra para a tua irmã”. – “Mas que dirão os outros de mim? Compreendo que o que me mandas é bom, mas queres que eu pareça a empregada das outras? Se as minhas amigas fizessem o mesmo, eu também o faria”.

Ó louca! Como vives, com o mundo ou com Deus? Depois, ireis a Deus, dizendo: – “Paga-me”. E o Senhor te dirá: – “Os serviços que me prestastes, Eu vo-los pagarei, mas os que andastes prestando ao meu inimigo, como quereis que vo-los pague?”

É difícil encontrar quem ande só. E se é para ir só, então é melhor ir por onde foi Jesus Cristo. Não pelas pompas, jóias ou brocados, embora por aí sigam muitos reis. Não ousarás ir de mãos dadas com Jesus Cristo por onde Ele foi? É impossível que quem abriu uma conta com o mundo tenha outra aberta com Deus. Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6, 24 e Lc 16, 13). Quem é amigo deste mundo por isso mesmo tornou-se inimigo de Deus. O medroso diz: – “Dirão que sou um hipócrita!” Deves procurar a Deus com decisão, aconteça o que acontecer. Cortem-me a cabeça, que nem assim o abandonarei.

Disse Jesus Cristo: O que vos é dito ao ouvido, pregai-o sobre os telhados (Mt 10, 27). É com essa condição que Deus te dá a conhecer a verdade: que digas em público o que te disseram em segredo. Gostaríeis de ser como aqueles de quem fala São Paulo que retêm a verdade na injustiça? (Rom 1, 18). Quem tem a verdade e não a professa nem se comporta de acordo com ela está prendendo a verdade na injustiça. Onde está o rei dos judeus? Nós já o conhecemos. Devemos professar esta verdade custe o que custar. Vede como é o mundo: os reis magos vêm de longe à procura do Salvador, e os que estão na terra d’Ele nem se dão conta da sua presença.

A inquietação de Herodes

O rei Herodes turbou-se, e toda Jerusalém com ele (Mt 2, 3). Que o rei se inquietasse não era muito, mas toda a cidade?

Por aqui vedes como é necessário que haja um bom rei na cidade e uma boa cabeça que reine. Se o bispo é mau, mau o magistrado, mau o pároco e mau o pregador, dificilmente haverá um bom povo. Esta é a intenção pela qual deveríeis rezar a Deus e é dela que mais vos esqueceis. “Senhor, dai-nos bons governantes; Senhor, dai-nos bons dirigentes. Que os reis Vos temam; dai-nos bons sacerdotes e pregadores”.

Toda a cidade turbou-se com o rei. Diz o rei: – “Então quereis outro rei além de mim?” E diz o criado: – “Que quereis que eu faça? O meu patrão ordena que eu o acompanhe nas suas noitadas”. E pensa o sacerdote: “Se eu disser a Fulano que tem uma amante, se lhe disser que não comunga, encher-me-á de pancadas”. Ora, para quem quereis a honra, se não é para Jesus Cristo? Não vale a pena morrer pela honra de Deus? É uma grande honra morrer pela honra de tão grande príncipe!

Herodes perturbou-se, começou a tremer e, convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer esse rei. Disseram-lhe: Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta. Disse Herodes aos magos: Ide e informai-vos bem acerca do menino, e, quando o encontrardes, comunicai-me, a fim de que também eu vá adorá-lo (cf. Mt 2, 4-8); na verdade, para matá-lo.

Os reis partem e ele fica. Não vedes como está bem representado aqui o mau pregador? Prega onde se pode encontrar a Deus e depois fica onde está. O bom pregador e o bom confessor devem ir à frente. Ninguém deve dizer uma palavra boa sem que primeiro a tenha posto em prática. Lê-se na vida dos Santos Padres que, estando moribundo um daqueles santos anciãos, se aproximaram dele alguns religiosos e lhe pediram: – “Padre, deixai-nos algo que fique aqui conosco”. Respondeu-lhes ele: – “Sempre acreditei mais no parecer alheio do que no meu, e nunca tive a presunção de ensinar coisa alguma que antes não tivesse posto em prática. Este é o testamento que vos deixo”.

São João de Ávila,
“O Mistério do Natal”
pp. 60-64
Ed. Quadrante, 2ª Edição
São Paulo – 1998

Recomendando

1. Blog do Pe. Elílio: Convite ao eclesiocentrismo. “[O] eclesiocentrismo bem entendido é a alternativa ortodoxa a toda e qualquer «cosmolatria», pois que é incompatível com toda «exaltação» do mundo. O eclesiocentrismo é hoje rejeitado porque parece que só se pode falar bem do mundo e mal da Igreja; de outro modo, somos tachados de «pré-conciliares». (…) Ora, o «mundo» pelo qual o Senhor não rezou (cf. Jo 17,9) e que nós somos chamados a não amar (cf. 1Jo 2,15) condensa uma existência afastada de Deus e contrária a seus desígnios. Não podemos ser ingenuamente otimistas com relação ao «mundo», a ponto de não reconhecer que nele atuam real e eficazmente forças obscuras e contrárias a Deus. O livro do Apocalipse fala sobejamente da luta travada na história entre as forças do bem e as do mal. Santo Agostinho diz a mesma coisa com os conceitos de «cidade de Deus» e «cidade terrestre» em constante litígio entre si. A «adoração» do mundo é fruto do otimismo ingênuo que tem vigorado na mentalidade dos católicos nas últimas décadas. Fruto desse mesmo movimento é a relativização ou marginalização da Igreja”.

2. Blog do Pe. Clécio: Grupo de Coroinhas – celeiro de vocações. “De fato, convivendo com o sacerdote, os pequenos iam percebendo a importância daquele homem que era tão procurado: visitava os doentes, confessava os penitentes, aconselhava casais em crise, julgava dissídios na comunidade, pregava o Evangelho, celebrava a Santa Missa. E mais: os pequenos viam a piedade do padre, breviário em punho, mergulhado na oração”.

“O Vaticano não é rico”

Sobre as finanças do Vaticano: ‘‘O Vaticano não é rico” – Entrevista com John L. Allen Jr. O vaticanista, para quem não conhece, é o correspondente da NCR e autor do livro “Opus Dei: os mitos e a realidade”. Alguns dados retirados da entrevista:

  • o orçamento anual do Vaticano é de US$ 300 milhões;
  • 50% deste orçamento vem de doações;
  • a avaliação das propriedades do Vaticano deveria se aproximar dos US$ 500 milhões;
  • nos Estados Unidos, a Universidade de Notre Dame – que é a maior universidade católica do país – tem um orçamento operativo de mais de US$ 1 bilhão – isto é, pode financiar o Vaticano três vezes.

É um texto interessante para quem gosta de esbravejar contra a riqueza e o fausto nos quais vive a Igreja Católica, enquanto o mundo passa fome. Em particular, é relevante a seguinte informação, que aliás tenho a impressão de já ter reproduzido aqui: “Desde o final da década de 70 até o começo dos 90, eles estavam com números vermelhos quase todos os anos. Depois, chegou um cardeal norte-americano de Detroit encarregado da operação financeira, que era conhecido por ser alguém habilidoso com o dinheiro. Ele corrigiu o déficit, e eles obtiveram números azuis por vários anos. A partir daí, veio uma crise financeira, e voltaram a ter números vermelhos, mesmo que o déficit não tenha sido muito grande. Em geral, a Igreja não obtém excedentes significativos”.

Akallabêth – A queda de Númenor

Existem alguns escritores geniais. Tolkien é um deles. Após ter lido (tardiamente, reconheço) os três volumes d’O Senhor dos Anéis, estou terminando O Silmarillion agora. Especificamente, acabei de ler ainda há pouco Akallabêth, que trata sobre a queda de Númenor; para quem ainda quiser ler o conto – na edição da Martins Fontes, tem apenas 35 páginas -, aviso desde já que ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS.

Númenor é o nome do reino próspero dos homens, entre a Terra Média e o Reino Abençoado. Lá, eles eram amigos dos Valar, espécie de semi-deuses que eram senhores do mundo e serviam a Ilúvatar, o Deus Criador e Providente, a Quem também adoravam os númenorianos. Havia em Númenor um templo erigido a Ilúvatar, onde os homens sempre Lhe ofereciam “os primeiros frutos”. E viviam em paz e harmonia.

Com o tempo, porém, os homens começaram a sentir inveja de imortalidade de Valinor, o Reino Abençoado, onde viviam, sem conhecer a morte, os Valar e os elfos. E os homens começaram a murmurar entre si, acusando os Valar de negarem aos homens a dádiva de serem imortais. E romperam as suas boas relações com os Valar. Quando isso aconteceu, Sauron (sim, o mesmo d’O Senhor dos Anéis), inimigo dos Valar, instigou os homens a se mostrarem cada vez mais auto-suficientes e a se apresentarem cada vez mais hostis aos Valar. E, seguindo os conselhos malignos de Sauron, os homens foram se afastando cada vez mais dos Valar e, por conseguinte, degradando-se cada vez mais.

Duas coisas são bem interessantes nesta narrativa. A primeira delas é que os númenorianos, seguindo os maus conselhos de Sauron, abandonaram o culto a Ilúvatar e passaram a adorar o “Senhor do Escuro”, Melkor, que no princípio havia sido um Vala mas, depois, decaíra e, devido às suas maldades, havia sido expulso da terra e trancado no Vazio que fica além do mundo.

Os homens de Númenor abandonaram o culto a Ilúvatar para adorar a Melkor! Somente o fato deste assunto ser já conhecido e re-conhecido por todos nós impede-nos, à primeira vista, de dizer que a metáfora é genial; no entanto, é exatamente nesta insistência, nesta repetição, que consiste a sua genialidade: não importa onde nem quando, se nos judeus de Jerusalém à época do Rei Salomão, se em Númenor das fantasias de Tolkien ou se na vida particular de cada um de nós, os homens sempre fazem besteira. Sempre dão ouvidos a conselhos que não prestam. Sempre abandonam o Deus Verdadeiro para servir a Satanás.

A história de Númenor é, na verdade, uma paráfrase da história da humanidade e da história de cada um de nós, com um toque bastante interessante: não existem desculpas para os homens daqui, deste mundo, abandonarem a Deus. Porque não importa o quão diferente seja o mundo, mesmo que haja elfos e orcs, mesmo que os homens tenham vida longa e próspera, mesmo que eles falem face a face com os emissários dos Valar e contemplem, do litoral, as fronteiras do Reino Abençoado, mesmo assim, eles erram e se desviam do caminho. Adorar ao “senhor do Escuro” não é apanágio dos homens que vivem no claro-escuro no qual nós próprios vivemos – mesmo que vivêssemos em Númenor, não estaríamos imunes a esta tentação.

E a segunda coisa interessante na Akallabêth é sobre o progresso de Númenor após os homens terem abandonado os Valar: “Não obstante, por muito tempo pareceu aos númenorianos que eles prosperavam: e, se sua felicidade não era maior, eles ainda assim estavam mais fortes; e seus ricos, cada vez mais ricos. Pois, com o auxílio e os conselhos de Sauron, multiplicavam seus bens, inventavam engenhos e construíam naus cada vez maiores” [Tolkien, J. R. R., “O Silmarillion”, p. 349; Ed. Martins Fontes, 4ª Edição, São Paulo, 2009].

Prosperavam sem, no entanto, serem mais felizes: quem poderia ler um trecho desses sem pensar imediatamente no homem moderno que, enamorado cada vez mais do progresso e da técnica, e esquecido de Deus, consegue avanços cada vez maiores que, no entanto, não servem para lhe dar sentido à vida? Repito o que disse no início: há autores que são geniais, como Tolkien. Impressiona-me a maneira como ele consegue reescrever a história do mundo por meio de uma mitologia que a torna mais palatável, e na qual certos aspectos que ele deseja destacar aparecem com clareza. A Queda de Númenor faz as vezes de uma excelente parábola para os nossos tempos modernos, que bem poderíamos entender para que errássemos menos: na Akallabêth, Tolkien nos ensina que os homens erram ao se afastar de Deus, e nos ensina também que prosperidade nem sempre é sinônimo de felicidade.

Ateísmo – dois curtas

1. Estuprador ateu reclama de violação de direitos após dividir cela de prisão com companheiro cristão. “‘Recentemente, tive o desprazer de compartilhar uma cela com um crente fundamentalista [Bible-thumping]’. Uma fonte disse que Relf estava ‘furioso’ em ter que dividir [a cela], na Manchester Prision, com o cristão convicto, e que queria que ele fosse ‘expulso'”.

2. Cão que ladra não morde – sobre as objeções ateístas ao milagre de Lanciano. “O fato é que as autoridades religiosas têm permitido testes no que sobrou dessa carne e desse sangue [do milagre de Lanciano], o último deles tendo ocorrido em 1971. Foi a respeito disso que um amigo me mostrou, hoje, um texto de um site de ateístas militantes que se propunha a “desmistificar” o milagre. Desconsiderando o tom raivoso do artigo, atenhamo-nos aos fatos que o autor alega ter em seu favor, e veremos que a consistência dos argumentos é a mesma de um pudim de leite condensado”.

Mais Igreja, mais Nazismo

Às vezes, eu fico pensando se vale a pena continuar insistindo contra uma evidente incapacidade ou má-fé intelectual. Refiro-me à tréplica da UNA sobre a Igreja e o Nazismo, em resposta a um post aqui publicado na semana passada. Alegra-me muito ver o Deus lo Vult! ser chamado de “blog ultracatólico”, honra que não mereço – mesmo o pessoal da UNA usando a expressão em sentido pejorativo.

Alegrias à parte, no entanto, vamos nos deter sobre os “argumentos” utilizados pelos unidos ateus brasileiros. Basta dizer que eles parecem não saber o que é uma petição de princípio, por mais elementar que seja a maneira como ela se apresente. Por exemplo: eu afirmei “que a presença do Papa junto a autoridades políticas quaisquer não significa, sob ótica nenhuma, um apoio irrestrito a estas autoridades”. Dei um exemplo de João Paulo II junto a Fidel Castro. Os ateus – pasmem! – responderam que “a igreja nunca foi pilar da revolução cubana”.

Oras, e por acaso a Igreja foi pilar do regime nazista? Esta é precisamente a tese dos ateus. No entanto, eles não parecem dispostos a prová-la; assumem-na como um a priori indiscutível e argumentam para demonstrá-la como se já estivesse demonstrada, num claro raciocínio circular da pior qualidade possível. Dá para continuar debatendo com gente assim?

O resto do blá-blá-blá (que o Papa visitou a Nicarágua, o Chile, etc) é somente blá-blá-blá que nem tem nada a ver com o assunto ora em discussão (Igreja e Nazismo), nem modifica um milímetro o argumento apresentado, contra o qual os ateus somente conseguiram levantar uma Petitio Principii grosseira.

Foi dito, também, que o homem que aparece com Hitler na foto não é o então cardeal Pacelli, mas sim o núncio Cesare Orsenigo. Quem identifica o homem da foto com o cardeal Pacelli são, entre outros, os sites Segunda Guerra.org e Enciclopedia.pt. Se esta foto não é do cardeal Pacelli ou se não existe nenhuma foto do cardeal Pacelli com Hitler, não faz diferença para o argumento (aliás, o negócio fica ainda mais feio para os detratores da Igreja…); o meu ponto é que é perfeitamente possível que haja tal foto (como há uma foto de João Paulo II com Fidel Castro) sem que isto implique em nenhum apoio da Igreja ao regime nazista. Um encontro do núncio apostólico com o ditador nazista não significa que a Igreja apóie o nazismo.

Sobre a “saudação socialista” eu nem vou comentar, porque o pressuposto aqui – de que seja necessário fazer “saudação” nazista ou socialista ou anarquista ou que seja, para que o fulano seja de fato nazista, ou socialista, ou anarquista ou o escambau – é simplesmente sem nenhum sentido. Do fato dos ateus unidos do Brasil não terem vistos padres fazerem uma desconhecida saudação socialista, não segue que tais padres não sejam socialistas.

E, considerando que haja padres socialistas, não segue que a Igreja apóie o socialismo. Querer postular a inexistência de padres socialistas (como faz a UNA) simplesmente porque não há padres fazendo o gesto com a mão fechada que eles desenterraram é simplesmente falso, contrário às evidências, inconcebível para qualquer pessoa que mantenha um mínimo de senso de realidade. Sim, há padres socialistas, sim, houve padres nazistas, não, a Igreja não apóia o socialismo e não, a Igreja não apoiou o Nazismo.

Queixa-se ainda a UNA da ausência de punição aos nazistas. E, para completar a piada: “ao contrário dos padres ‘moderninhos'”. Gostaria muitíssimo que a UNA elencasse os padres “moderninhos” que foram excomungados pelo Vaticano. O fato é que entre “ausência de punição” e “apoio irrestrito” vai uma distância enorme, à qual os ateus fazem vista grossa para poderem atacar a Igreja. De novo uma petição de princípio, porque o argumento subjacente a esta elucubração é: “a Igreja não puniu os padres nazistas porque apoiava o nazismo”. De novo: que a Igreja apoiasse o nazismo é exatamente a tese dos ateus, que precisa ser provada, e não utilizada como premissa para se provar a si mesma.

E vejam como é engraçada a “história enviesada” que os ateus contam: falam do cardeal de Viena, Theodore Innitzer, que saudou o Anschluss e pronunciou um sonoro Heil Hitler. No entanto, não contam o resto da história: que o cardeal Pacelli obrigou o cardeal Innitzer a voltar a Roma para prestar contas de sua declaração, que ele foi obrigado a assinar uma retratação (publicada em L’Osservatore Romano), e que a casa do cardeal foi invadida pelos nazistas após isso. Acaso pode-se dizer, em sinceridade de consciência, que uma atitude destas é exemplo de apoio da Igreja ao Nazismo? Ou os ateus só “pescam” da história aquilo que lhes convém, varrendo para debaixo do tapete todo o resto?

Outro exemplo: reclamaram os ateus que 1930 (ano em que uma diocese alemã condenou formalmente o nazismo) era “muito cedo”. A Mit Brennender Sörge é de 1937, e já apareceu ateu aqui para dizer que era “muito tarde”, pois nessa época a Alemanha já havia perdido a Segunda Guerra (!). E o apoio da Igreja ao nazismo nos entreatos, onde é que está? Está somente nas premissas dos ateus. Só nas grosseiras petições de princípio. Quando são pedidos para apresentarem provas de que a Igreja apoiou o nazismo, eles simplesmente não as apresentam: ficam só nos padres que fizeram Heil Hitler, na (suposta) ausência de condenações, nas fotos de autoridades eclesiásticas com Hitler e ministros do Reich, etc., etc. O resto, eles simplesmente ignoram. Pode ser levado a sério este jeito incrível de se fazer história?

Sobre o Zentrum, o negócio fica ainda pior. Em primeiro lugar, em 1933 (ano da assinatura da Concordata) não havia “regime nazi” nos moldes de uma ditadura, como o Nazismo é conhecido hoje. Não havendo ditadura, portanto, não há também “o reconhecimento diplomático do regime nazi pelo Vaticano”. E, por fim, é simplesmente falso que, com a Concordata, a “Igreja aceitou cooperar com Hitler e fechar os olhos para os abusos cometidos por ele” – isto não se encontra no texto da concordata e nem em lugar nenhum. É somente mais uma petição de princípio.

E ainda mais uma: dizem os ateus que “[o] livro de Cornwell [o Papa de Hitler] é ambíguo, coloca a igreja como vilã e coitada em certos momento”. Oras, então o livro dá margem para dizer que Pio XII foi o Papa de Hitler e também que ele foi o Papa Anti-Hitler. No entanto, na lógica dos ateus, já que a Igreja apoiou o Nazismo, são somente as partes nas quais a Igreja é apresentada “como vilã” que são fidedignas no relato do Cornwell. Não é assim que se faz história, afinal de contas?

Após os intermináveis raciocínios circulares e histórias contadas pela metade da União Nacional dos Ateus, resta somente uma curiosidade que eu sempre tive: onde estavam os ateus durante o regime nazista e a Segunda Guerra Mundial? Já que perguntar não ofende, quais foram as ações que eles, em grupo ou individualmente, tomaram durante o III Reich?

Boris Casoy e os garis

Sem querer usar um clichê mas já usando, uma cena dessas é realmente vergonhosa. Eu vi no Yahoo! notícias, no correio do Brasil e no Mídia Independente. Se procurasse, provavelmente encontraria em vários outros lugares: o assunto sem dúvidas provocou indignação.

E o frustrante não é que tenha sido “um vazamento de áudio”, como disse o apresentador: o que é degradante é que o sujeito pense realmente esse tipo de coisa. Obviamente, ninguém pode ser “proibido de pensar”, por mais estúpida que seja a coisa pensada: o ponto não é esse. O ponto é que dói constatar a falta que o Cristianismo faz na vida das pessoas. E o Boris Casoy, com toda a sua educação e cultura, inteligência e erudição, não entende que as pessoas não podem ser menosprezadas em razão daquilo que fazem.

Alguém comentou numa lista de emails que, provavelmente, o sorriso dos dois garis tinha mais valor do que a carreira inteira do Boris Casoy. Eu acho bem possível. Não se trata, evidentemente, de fechar os olhos para a realidade e postular que é “a mesma coisa” trabalhar nas ruas sob um sol escaldante recolhendo lixo ou trabalhar em um estúdio jornalístico com roupas elegantes e ar condicionado. O que interessa, no entanto, é que a dignidade de um trabalho está na honestidade e no empenho nele aplicados, e não no “conforto” com o qual ele é executado!

A sociedade é naturalmente desigual. Exige naturalmente que sejam desempenhadas atividades desiguais por pessoas desiguais. Mas estas pessoas devem saber que são mutuamente importantes e – principalmente! – que cabe àquelas pessoas cuja vida é “mais fácil” tornar menos dura a vida dos que passam por maiores dificuldades. Semelhante harmonia é fundamental para a vida em sociedade; como encontrá-la, no entanto, fora do Cristianismo, onde quem quiser ser o primeiro deve ser aquele que serve a todos?

E constatar a falta que faz o Cristianismo ao apresentador da Record Bandeirantes é doloroso, mas tem ainda uma outra coisa que é bastante incômoda. Boris Casoy pode ser facilmente associado à “direita” brasileira, uma vez que ele foi um dos únicos a quebrar a cortina de silêncio sobre o Foro de São Paulo, ou a ter coragem de escrever um artigo pedindo o Impeachment do presidente Lula. Prato cheio para os esquerdistas: já posso até ver o discurso raivoso de como o Casoy deu a prova definitiva do modo como “as elites” enxergam o povo.

Bento XVI: colaborar com a graça de Deus

Caros amigos, esta é a verdadeira razão da esperança da humanidade: a história tem um sentido, porque é “habitada” pela Sabedoria de Deus. E, no entanto, o desígnio divino não se cumpre automaticamente, porque é um projeto de amor, e o amor produz liberdade e pede liberdade. O Reino de Deus vem certamente e, na verdade, já está presente na história; graças à vinda de Cristo, já venceu a força negativa do maligno. Mas todo homem e mulher é responsável por acolhê-lo na [sua] própria vida, dia a dia. Assim, também o [ano de] 2010 será melhor ou pior [più o meno “buono”] na medida  em que cada um, segundo as próprias responsabilidades, souber colaborar com a graça de Deus.

Voltemo-nos então à Virgem Maria, para aprendermos d’Ela esta atitude espiritual. O Filho de Deus encarnou-Se n’Ela [ha preso carne da Lei] não sem o Seu consenso. Toda vez que o Senhor quer dar um passo adiante conosco [insieme con noi] em direção à “terra prometida”, bate primeiro ao nosso coração; espera, por assim dizer, o nosso “sim”, tanto nas pequenas quanto nas grandes escolhas. Ajude-nos Maria a acolher sempre a vontade de Deus, com humildade e coragem, para que também as provações e os sofrimentos da vida ajudem [cooperino] para apressar a vinda de seu Reino de justiça e de paz.

Bento XVI, Angelus, Domenica, 3 gennaio 2010