Por que dizemos que certas músicas influenciam o sexo livre?

Com relação à polêmica envolvendo o professor de Filosofia que ousou colocar “Valesca Popozuda” e “grande pensadora contemporânea” na mesma frase sem que os dois termos estivessem ligados por uma relação semântica de veemente oposição, uma amiga apontou com muita pertinência que a funkeira pode até não ser estritamente uma “pensadora”, mas sem dúvidas populariza certas concepções de mundo que são abraçadas e defendidas por muitos pensadores contemporâneos.

Parece-me claro que a música tem um poder de penetração popular muito maior na nossa sociedade do que a literatura ou a dissertação acadêmica. É muito mais fácil atingir as massas com uma canção que vire sucesso do que com um artigo de opinião, ainda que magistralmente escrito. É comum ver as canções populares unicamente como meios de entretenimento; no meu entender, é preciso encará-las também sob o ponto de vista de veículos transmissores de idéias. Um libelo apaixonado em defesa de uma determinada posição pode, é claro que concedemos, fundamentar o seu ponto de vista de uma maneira muito mais sólida do que a sua mera exposição desarticulada numa canção; mas uma música pode muito facilmente tornar conhecida uma idéia, popularizar um pensamento.

Alguns podem dizer que simplesmente expôr um pensamento não pode ser confundido com defendê-lo e nem muito menos com tentar convencer os que tomam conhecimento dele a adotá-lo. Aqui é preciso dizer: mais ou menos. Se é certo que há uma diferença muito grande entre a exposição argumentativa com vistas à persuasão de algo e a mera afirmação (às vezes até indireta) deste algo, não é menos certo que há outros fatores a serem levados em consideração aqui, como por exemplo:

1) Há uma tendência a enxergar com naturalidade os valores que são predominantes na nossa experiência de mundo. Se nós nunca vemos ao nosso redor um determinado comportamento, é pouco provável que tenhamos por conta própria a iniciativa de adotá-lo. Ao contrário, provavelmente o olharemos com desconfiança e de forma crítica quando e se nos depararmos com ele alguma vez. Por outro lado, se algo acontece à nossa volta o tempo todo – se algo é freqüente na nossa vizinhança, na nossa escola, no nosso trabalho, etc. -, é bastante provável que nos envolvamos de algum modo com isso. E as músicas que escutamos desempenham – pelo menos – o indiscutível papel de aumentar o leque dos lugares onde tomamos contato com uma dada visão de mundo: ela se nos torna mais familiar porque a encontramos no nosso ambiente de trabalho, nos jornais que lemos, nas conversas dos corredores universitários e também nas músicas que ouvimos no rádio do carro em meio aos engarrafamentos de cada dia ou que os nossos amigos põem para tocar nas festinhas e happy hours de que participamos.

2) A maior parte das pessoas não pauta o próprio comportamento por investigações filosóficas de ordem moral. Nós infelizmente não nos preocupamos muito com isso e tendemos a fazer aquilo que “está à disposição”. Os estilos de vida mais austeros podem ser defendidos com a maior clareza do mundo pelos maiores gênios da humanidade: a maior parte de nós escolherá o caminho mais fácil se ele se nos apresentar como uma opção entre outras. Isso porque para fazer a coisa certa é exigido do homem um esforço consciente e permanente, enquanto que para fazer a coisa errada basta que ele se deixe arrastar pelos seus instintos. Diziam os antigos que a ocasião fazia o ladrão, e o que se esconde por trás do antigo ditado é essa verdade bem simples: certas coisas não precisam de uma apologia para convencer os homens a realizá-las. Assim, não é preciso que um estilo de vida pouco virtuoso seja defendido para que os homens o adotem: basta que ele esteja aí. E que maneira mais fácil de tornar presente um determinado comportamento do que transformá-lo numa música que toca o tempo inteiro e que fica na nossa cabeça muito tempo depois de a termos ouvido, que nos pegamos cantando sem perceber ao longo do dia etc.?

3) O poder de penetração de uma música é muito maior do que o de um artigo científico, e isso muitas vezes compensa a informalidade que a primeira tem em relação a este. Para alguém gravar uma idéia exposta num texto acadêmico é preciso lê-lo com atenção, é preciso que o autor do texto a exponha diversas vezes e de muitas maneiras distintas etc.; ora, com extrema facilidade uma música é literalmente decorada, de uma ponta a outra, com as mesmíssimas palavras usadas pelo seu compositor. Se algo vai ser repetido incontáveis vezes, em situações as mais distintas possíveis – no carro, no chuveiro, no happy hour – e por um intervalo de tempo consideravelmente longo, é natural que as idéias presentes nessa repetição prolongada impregnem com maior facilidade o espírito de quem a ela é exposta do que as que constam numa palestra que se assistiu somente uma vez ou num artigo que se leu enquanto se aguardava a sua vez num consultório. A insistência no tema supre a sutileza com a qual ele é apresentado.

Voltando às músicas da Valesca Popozuda: o teor sexual de muitas de suas canções é bem conhecido. Nós sustentamos que isso é um claro incentivo à sexualidade livre. Contra os que dizem que uma música não tem o poder de forçar ninguém a fazer nada contra a sua vontade (o que é verdadeiro) e que praticamente nenhuma letra de música é um discurso proselitista em defesa de posição alguma (o que também é verdadeiro), nós respondemos com o que foi exposto acima: o incentivo de que falamos aqui não se dá a nível de coerção nem de argumentação racional. Ele se processa quando um determinado comportamento censurável é apresentado ao homem de tão variadas formas e com tamanha regularidade que passa a ser encarado por ele com naturalidade. E alguém que perceba uma coisa como natural está mais propenso a realizá-la.

Há um sem-número de intelectuais modernos que defendem o hedonismo. Nem a capacidade argumentativa de todos eles juntos seria capaz de arrastar mais pessoas a um estilo de vida hedonista do que as músicas indecorosas que tocam nas nossas rádios e nas nossas festas. Para que uma pessoa deixe a sua vida ser guiada pela busca ao prazer não é preciso que ela se convença racionalmente de que esta é a melhor opção filosófica possível: basta que ela perceba que o sexo é uma coisa prazerosa, que é socialmente bem aceito em seus círculos de relações sociais, que dele não decorre nenhuma responsabilidade, que é fácil de ser obtido. Basta, em suma, que ele esteja imerso em um ambiente que exala sexualidade de tal maneira que ela seja percebida como uma coisa simples, banal e corriqueira.

Para isso contribuem sem dúvidas os nossos “filósofos” e “intelectuais” contemporâneos. Mas contribui também, e enormemente, a atuação social de cantores como a que iniciou a polêmica dos últimos dias. Antigamente, os grandes pensadores influenciavam as multidões. Hoje elas são muito mais influenciadas pelas músicas que artistas de qualidade questionável despejam na nossa sociedade decadente. Se o povo se deixa guiar por funkeiros, então a sra. Valesca faz as vezes, sim, dos “grandes pensadores contemporâneos”, e é até justo chamá-la dessa maneira. Quem não merece ser chamado de “pensante” é o povo que se presta a tão deplorável papel.

O show da JMJ!

Eu não nego a boa vontade dos garotos que fizeram o “Show da JMJ”. Não obstante, é preciso negar – e com veemência – que se possa fazer uma desgraça dessas sob a justificativa de “evangelizar”. Evangelizar a quem, cara-pálida? Isso não é a JMJ. Isso é um desserviço que alguns jovens do Rio de Janeiro – repito, certamente com a melhor das boas intenções – estão prestando à Jornada e à Igreja.

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Eu nunca tinha ouvido falar em “Anitta” (sim, com dois ‘t’s mesmo) e não conhecia o clipe oficial do “Show das Poderosas” – aliás, nem mesmo a música eu conhecia. Infelizmente, agora eu conheço as duas coisas: o funk original e a sua versão “católica” feita pelos meninos do Rio de Janeiro.

É claro que sou a favor de músicas, mesmo profanas, em eventos para a juventude. No entanto, é preciso ter critérios. Não nego o valor das paródias. O que afirmo é a importância de ser seletivo na escolha daquilo que vamos parodiar. Afinal de contas, deve-se imitar aquilo que é bom, e não qualquer porcaria. Por qual razão deveríamos pegar o esgoto da música contemporânea e fazer-lhe uma versão piorada para supostamente servir à causa católica? Sim, porque é exatamente disso que se trata.

O tal “Show das Poderosas” é um lixo de música chiclete que exige doses cavalares de «Desescute» para desintoxicar o pobre incauto em cujos ouvidos ela consiga penetrar. O “Show da JMJ” é a mesma coisa, só que com menos métrica e rimas piores. A música remete o tempo inteiro ao funk original, do qual ela é somente uma cópia mal feita. Fica a pergunta: qual o propósito disso?

“[A]trair o público”? Mas não está óbvio que os não-católicos «que descem e rebolam» no funk original vão simplesmente torcer o nariz para esta paródia patética, e que os católicos que porventura embarquem na onda não deveriam ser incentivados – nem por similaridade! – a gostar da depravação que vemos no clip da Anitta? Se a música não atrai os de fora e ainda corrompe os de dentro, por que raios há católicos gastando tempo e dinheiro para produzi-la e divulgá-la?

“Mercado de Moda Infantil”

[Publico um capítulo de um estudo realizado pela Universidade Estadual de Goiás sobre crianças e moda, chamado “Mercado de Moda Infantil”, que traz algumas considerações bem pertinentes sobre a corrupção da infância. Agradeço ao Rodrigo Pedroso que mo enviou por email.

O original pode ser encontrado aqui e é da autoria da sra. Nadima Chalup Ribas, estudante de design de moda e autora deste blog, em colaboração com o dr. Bento Fleury, professor doutor em Letras e Lingüística.]

Erotização da Moda Infantil

Um fato que preocupa pais, educadores e a sociedade em geral é a infância cada vez mais curta. É cada vez mais comuns ver meninas na faixa de 7 a 11 anos agindo como verdadeiras moças, ganhar brinquedo é uma ofensa, o presente bem vindo são roupas, acessórios, maquiagens.

As festas de aniversário também mudaram, não existe uma decoração com tema infantil, mas sim festas com DJ’s, luz negra ou então a festa é realizada dentro de um salão de beleza. Criança sempre foi vaidosa, a diferença era que elas colocavam suas vontades todas nas bonecas, hoje não precisam de bonecas, a realidade é mais interessante, elas são as próprias “cobaias”.

O problema tem origens da própria educação dos pais que, na sua maioria, vestem seus filhos, principalmente filhas como adultos em miniatura. Não imaginam o efeito que isso causa em um futuro próximo. Mesmo que alguns pais eduquem seus filhos de maneira coerente, eles acabam recebendo uma grande influência da televisão, a contra educação. O fato não é tão atual, existe uma diferença muito grande na moda infantil antes de depois do programa Xou da Xuxa, exibido na década de 80.

As meninas – as mais influenciadas – não queriam mais saber de vestir vestidos com babadinhos e sapatos. A febre na época eram os shortinhos e as botas, marca registrada da rainha dos baixinhos. A roupa da apresentadora que inspirava sensualidade contrastava com um cenário cheio de elementos infantis. Além de influenciar na moda, o programa também direcionou as crianças ao consumismo e a competição.

Nos anos 90 outra preocupação dos educadores era o então grupo de axé, É o Tchan. A atração do grupo eram as mulheres vestidas com roupas curtíssimas, coloridas e coladas ao corpo dançando com letras de apelo sexual. É obvio que a criança não entendia o significado da letra, mas se deixava levar pelo ritmo e o colorido das roupas das dançarinas.

Nunca uma criança foi tão desrespeitada como naquela época, a tendência da maioria é imitar sim as vestimentas de ídolos, não só as vestimentas, mas também as atitudes. As meninas andavam praticamente semi-nuas, e o pior era o orgulho que os pais sentiam em ver seus pequenos vestidos como os ídolos em programas de TV. Esses programas promoviam concursos de cover infantil e ainda ganhava ibope com isso.

A taxa de violência sexual contra crianças e adolescentes aumentou consideravelmente, a sociedade se chocava no momento em que acompanhavam dados no jornal da TV, mas de nada adiantava, pois depois do jornal entrava a novela ou programas de auditório com a participação especial desses famosos grupos de axé.

Aproveitando o sucesso que o grupo tinha com as crianças, foram lançados diversos produtos da linha É o Tchan entre brinquedos, cosméticos e roupas. Ou seja, mais uma vez as crianças eram as principais vítimas de grandes empresários sem valores que pensam apenas em dinheiro.

Atualmente, um fenômeno que colabora para a erotização da moda infantil é a cultura do funk. Semelhante ao axé, as letras são de gosto duvidoso e também fazem apologia ao sexo. A criança novamente é seduzida pelo ritmo, as batidas. As roupas também são extremamente justas e curtas, a criança ao vestir a roupa, sente-se mais velha, e para elas, não existe coisa melhor.

O grupo Rebeldes, também tem uma parcela de influência nas vestimentas e no comportamento precoce das crianças. O grupo musical também conta com uma novela que é acompanhada assiduamente por crianças e adolescentes, mas principalmente as crianças. A história se passa em um colégio de classe média alta, os atores que interpretam adolescentes, na vida real, já são adultos. As protagonistas vestem uniformes curtíssimos, o que não seria permitido em um colégio da vida real. Além das roupas as crianças tentam imitar o comportamento intitulado como rebelde, o próprio nome diz tudo.

Fatores sociais também colaboram para o aceleramento dos fatores biológicos, as meninas de hoje entram na puberdade mais cedo.”Esta geração de meninas está tão erotizada, vem recebendo tantos estímulos para ficar moça que o cérebro acaba enviando sinais que detonam a produção dos hormônios mais cedo” afirma Jonathas Soares, ginecologista do Hospital das Clínicas e do Albert Einstein, de São Paulo.